Judiciário autoriza bloqueio de rede social e ganhos de devedor

Levantamento mostra decisões de primeira e segunda instâncias, nas esferas estadual e trabalhista, contra influenciadores digitais.

O Judiciário passou a permitir o bloqueio de perfis e a penhora de recursos
obtidos com redes sociais e sites de devedores. Há decisões de primeira e
segunda instâncias, nas esferas estadual e trabalhista, contra influenciadores
digitais, pessoas que têm a internet como fonte de renda ou ostentam uma vida de
luxo em suas publicações.

Essa saída é considerada uma das “medidas executivas atípicas”, previstas no artigo
139 do Código de Processo Civil (CPC), inserido pela reforma de 2015. O tema será
decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recurso repetitivo (Tema 1137),
ainda sem data para julgamento (leia mais em STJ definirá validade de medidas de
cobrança atípicas).

É mais comum que a previsão legal seja aplicada para suspender o uso de
passaporte, carteira nacional de habilitação (CNH) ou cartão de crédito e quando já
esgotadas outras formas de busca ativa de bens, principalmente de ativos
financeiros, por meio do Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud).

Enquanto os ministros não dão uma palavra final, juízes e desembargadores têm
dado decisões sobre o assunto, mesmo com a suspensão nacional dos processos,
por determinação do STJ. Uma das mais recentes, segundo um levantamento feito a
pedido do Valor pelas advogadas Natália Vital e Aline Barbosa, do escritório Goulart
Penteado Advogados, é de março.

A decisão é do desembargador Fabrício Fontoura Bezerra, do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Ele expediu ofício tanto ao Instagram quanto ao
TikTok para que as plataformas informassem os valores recebidos pelo devedor nas
contas digitais e determinou que a fixação do percentual a ser penhorado “deverá
ser sopesado com os ganhos e a preservação da dignidade do devedor”. A dívida é
de R$ 8 mil, referente a inadimplemento no pagamento de aluguel.

O desembargador considerou que “o processo de execução se realiza no exclusivo
interesse do credor”. Como não foram localizados bens no nome do devedor
capazes de quitar a dívida, ele permitiu o uso da medida coercitiva. Bezerra lembrou
ainda do “interesse da Justiça conferir efetividade ao processo de execução”, algo
que está alinhado com as atuais diretrizes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ante
as ações de cobrança (processo no 0706141-85.2024.8.07.0000).

Segundo Leonardo de Miranda, sócio do escritório Santos, Beneli e Miranda
Advogados Associados, que atuou pelo credor, é a primeira vez que ele adota essa
estratégia em um processo, após identificar que o devedor tinha relevância nas
redes. O juiz de 1a instância não acatou o pedido de bloqueio, o que foi revertido no
TJDFT.

Não é em todo caso, acrescenta o advogado, que a medida pode ou deve ser
aplicada. “Nem sempre o devedor mexe com rede social a ponto de se identificar
uma possível monetização. Tem que ser solicitado em casos específicos, para não se
fazer uma diligência à toa”, afirma Miranda.

Em outro caso, de uma dívida quase 100 vezes maior, de mais de R$ 800 mil, o juiz
Alberto Gentil de Almeida Pedroso, da 8a Vara Cível de São Paulo, determinou o
bloqueio do Instagram da influenciadora e ativista mulçumana e brasileira Carima
Orra, por ser responsável solidária de uma dívida emitida por uma empresa em
favor de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).

Segundo Pedroso, a devedora, que tem 221 mil seguidores na rede, demonstra no
perfil um “padrão social e econômico desproporcional ao tamanho da dívida
executada – mais de R$ 800 mil de débito que parecem não incomodar a executada,
que ostenta luxo e estilo de vida de altíssimo padrão, zombando do seu credor e
embaraçando a atividade jurisdicional”. Nas postagens, a ativista fala das suas
viagens ao redor do mundo, educação e moda.

Não é em todo caso que a medida pode ser aplicada. Nem
sempre o devedor mexe com rede social”

— Leonardo Miranda

Para o magistrado, o bloqueio da conta seria necessário para cessar a “propagação
de riqueza e luxo sem cumprimento de suas obrigações”. Ele também determinou o
bloqueio de possíveis recursos no Paypal e Mercado Pago, justificando as medidas
“para pressão e com o propósito de satisfação do crédito”.

No mesmo dia em que o perfil foi bloqueado, Carima entrou em contato com o FIDC
para fazer um acordo, segundo o escritório que atuou pelo fundo, LG&P Escritório
de Advocacia. O FIDC ainda tentou suspender o passaporte de Carima, sem sucesso.
Meses depois, o acordo firmado entre as partes foi homologado pelo juiz e a ação de
execução foi arquivada (processo no 1010581-88.2016.8.26.0554).

Em outro caso, que tramita na 1a Vara do Trabalho de Cachoeiro de Itapemirim (ES),
foi pedido o bloqueio de possível renda no TikTok da influenciadora e empresária
Priscila Santos, conhecida como “Rainha do Reboque”. Priscila é dona da Rebocar,
empresa de reboque e leilões de veículos, que registrou faturamento de mais de R$
9 milhões em 2020. Em 2022, ela foi alvo de operação da Polícia Civil do Rio por
suposta fraude em leilões – os veículos não teriam sido entregues aos vencedores.

De acordo com a advogada Viviane Lupim, do Oliveira & Lupim Advocacia, a
empresa de Priscila não pagou funcionários e verbas trabalhistas quando deixou de
operar em um pátio do Espírito Santo. Em um dos seis casos que atua em favor de
credores contra a “Rainha do Reboque”, o funcionário era vigia noturno e deixou de
receber R$ 12 mil. “Ela ostenta na internet, mas não pagou os funcionários”, diz a
advogada.

Até foi tentado um acordo no valor de R$ 7 mil, divididos em parcelas, mas que não
foi cumprido, o que motivou a execução. Nesse momento, Viviane tenta penhorar
uma caução que a empresária teria usado para comprar uma mansão de R$ 5
milhões no Rio de Janeiro. A última movimentação no processo foi a determinação
do juiz Jailson Duarte de unificar todas as execuções contra Priscila, para dar
celeridade na cobrança das dívidas (processo no 0000956-80.2021.5.17.0131).

Segundo a advogada Natália Vital, do Goulart e Penteado Advogados, essas decisões
podem ser efetivas para quem trabalha e depende financeiramente das redes
sociais. “O bloqueio acaba por pressionar o devedor a cumprir a obrigação de forma
mais célere, porque depende da visibilidade para o negócio ou para sua atividade
profissional. Então ele vai querer continuar usando a plataforma digital”, afirma.

Ela diz que os pedidos normalmente são aceitos desde que comprovadas a
inadimplência, proporcionalidade e a reversibilidade do bloqueio, e quando houver
indícios de algum patrimônio oculto ou inacessível pelos meios comuns de penhora.
Por isso, acrescenta, devem ser avaliados caso a caso. Porém, destaca, ao mesmo
tempo que a estratégia serve como modo de coerção para o devedor pagar o débito,
pode ser visto como uma restrição indevida da liberdade de expressão.

Todos os influenciadores citados foram procurados pelo Valor, mas não deram
retorno até o fechamento da edição.

Fonte: Valor Econômico

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