Três decisões da Justiça de Rondônia garantiram a contribuintes o direito de
exclusão do PIS e da Cofins da base de cálculo do ICMS – uma das discussões que
surgiram com o julgamento da “tese do século” pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). Duas delas são recentes sentenças que beneficiam a varejista paranaense
Gazin e o Grupo 3corações, fabricante de cafés.
Nas sentenças, a juíza Inês Moreira da Costa, da 1a Vara de Fazenda Pública de Porto
Velho, entendeu que os tributos federais não fazem parte da operação e não
representam faturamento ou acréscimo ao patrimônio das empresas. Ela se baseou
tanto no julgamento do STF que excluiu o ICMS da base do PIS e da Cofins – a “tese
do século – quanto em um precedente da 1a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de
Rondônia (processo no 7014414-23.2022.822.0001).
Segundo tributaristas, são poucas as decisões favoráveis aos contribuintes. No
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), por exemplo, a jurisprudência é
contrária às empresas. Por conta das divergências, a controvérsia foi afetada em
recurso repetitivo pela 1a Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no fim do ano
passado (Tema no 1223). Como não há questões constitucionais envolvidas por ora,
o STJ deve dar a última palavra.
Até então, se posicionaram dois ministros do STJ, em outro caso. O ministro
Benedito Gonçalves foi contra os contribuintes, enquanto a ministra Regina Helena
Costa foi a favor, permitindo a exclusão do PIS e da Cofins na base do ICMS. “É
necessário que lei diga quais parcelas compõem a base de cálculo. Se a lei não
disser, nós não podemos presumir diante da ausência de lei”, afirma a ministra, ao
proferir o voto, em agosto de 2023. O início do julgamento foi anulado e o processo
foi suspenso para aguardar a decisão no repetitivo (REsp 1961685).
Nas sentenças da Justiça de Rondônia, a juíza Inês Moreira da Costa entendeu que
não há previsão legal na Lei Complementar no 87/1996 (Lei Kandir) – que trata do
ICMS – para inserir os tributos federais na base de cálculo do imposto estadual
(processos no 7073389-04.2023.8.22.0001 e no 7066717-77.2023.8.22.0001).
“A base de cálculo do tributo estadual incide sobre o valor de circulação de
mercadoria ou serviço, ou seja, calcula-se o ICMS sobre a transferência jurídica da
mercadoria ou serviço, acrescida de juros, seguros, fretes e demais importâncias
pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição, de
modo que não há previsão legal para se incluir os tributos federais, em especial o PIS
e a Cofins, na base de cálculo do referido tributo”, diz a juíza.
Para a magistrada, deve ser acatada a tese dos contribuintes de que se o STF decidiu
que o ICMS deve ser excluído do cálculo das contribuições sociais, “a operação
inversa também deve ser verdadeira”. Para o Estado de Rondônia, no entanto, é
“inviável estender ao ICMS a interpretação aplicada à base de cálculo do PIS e da
Cofins no julgamento do Tema 69 do STF, porque se tratam de tributos distintos e
com base de cálculo própria”.
Segundo a tributarista Adriana Stamato, sócia do escritório Trench Rossi Watanabe,
como deriva da “tese do século”, a discussão tem menos impacto financeiro para as
empresas. Porém, acrescenta, se somada a exclusão para todos os contribuintes,
para os Estados é significativo. “Ganha outra dimensão, tanto é que foi para recurso
repetitivo.”
No escritório, ela tem orientado clientes a entrar com mandado de segurança para
discutir a tese e serem abarcados com o benefício, caso o STJ restrinja os efeitos por
meio de modulação no recurso repetitivo. “É uma discussão sobre o conceito de fato
gerador e o fundamento dos contribuintes é que o ICMS não faz parte do valor da
mercadoria”, afirma Adriana.
Fábio Rigo Bello, sócio-gestor do Tahech Advogados, que defende a Gazin, diz que a
varejista precisou entrar com ação judicial em cada um dos Estados onde atua. Até
então, a Justiça de Rondônia foi a primeira e única a proferir sentença a favor. “Foi
precursor”, afirma.
‘Não existe previsão legal para a incidência de tributo sobre
tributo”
— Fábio Rigo Bello
Na visão dele, a decisão da juíza está alinhada com o que decidiu o STF no Tema 69.
“É uma decisão muito bem fundamentada e que corrige essa distorção. As empresas
brasileiras vêm sendo muito oneradas por conta da incidência de tributo sobre
tributo. Não existe previsão legal para isso”, diz o advogado.
Para Leandro Vieira, sócio do Madrona Fialho Advogados, a tese não é tão forte para
as empresas, o que tem feito ele desaconselhar clientes a entrar com ações. “É uma
matéria mais fraca para os contribuintes. A maioria das decisões é desfavorável”,
afirma. Ele entende que não é necessária previsão legal expressa para permitir a
tributação. “A Lei Kandir diz que o valor da operação é a base de cálculo, e isso inclui
o preço global da operação, ou seja, tudo que foi suportado de custo pelo
vendedor.”
O tributarista Carlos Gama, sócio do Freitas, Silva e Panchaud Advogados
Associados, porém, acredita que as empresas devem ganhar a tese. “Não passam de
meia dúzia de decisões favoráveis para os contribuintes. Mas acreditamos que, no
fim das contas, o STJ vai julgar de forma favorável, porque a base de cálculo do ICMS
é o valor da operação, então isso excluiria PIS e Cofins.”
O Grupo 3corações, em nota, diz que a decisão é importante e deve servir de
precedente para outros tribunais estaduais, “pois demonstra que, na linha do
decidido pelo STF no julgamento do RE 574.706/PR (Tema 69), embora não haja
garantia constitucional contra a sobreposição de tributos, é necessário existir
expressa autorização legal, na esteira do entendimento exposto no voto da ministra
Regina Helena Costa [STJ]”.
De acordo com o advogado do grupo no caso, Thyago Bezerra, há ações em outros
Estados, mas ele não recorda de nenhuma outra sentença favorável. Ele acrescenta
que não há avaliação sobre o impacto financeiro, “pois ainda não estamos
aproveitando a decisão” – ou seja, a varejista ainda está fazendo o recolhimento dos
impostos.
Fonte: Valor Econômico