A proposta originária de reforma da tributação sobre o consumo, materializada na
PEC no 45/2019, propunha um único tributo da espécie IVA (IBS) em substituição a
outros cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS), com fixação de alíquota uniforme a
todos os bens, direitos e serviços. Nesses pontos em particular, o texto final
aprovado pelo Congresso Nacional que resultou na Emenda Constitucional (EC) no
132/23 acabou por aprovar uma espécie de IVA Dual, sendo a CBS em substituição
aos tributos federais (IPI, PIS e Cofins) e o IBS em substituição aos tributos estadual e
municipal (ICMS e ISS). A CBS e o IBS são tributos idênticos, mas de distintas
competências.
Essa divisão resultou em uma série de dificuldades na estruturação das leis
complementares que regularão o novo modelo, inclusive no que diz respeito ao
processo administrativo tributário que envolverá a CBS (federal) e o IBS (estadual e
municipal).
Para iniciar, relembro que os processos administrativos fiscais que discutem os
tributos federais PIS, Cofins e IPI tramitam de acordo com o Decreto no 70.235/72,
envolvendo órgãos de julgamento ligados ao Ministério da Fazenda (DRJ e Carf). Os
processos administrativos que discutem o ICMS tramitam perante órgãos de
julgamento estaduais (como o Tribunal de Impostos e Taxas em São Paulo ou o
Conselho de Contribuintes do Rio de Janeiro). Os processos administrativos
municipais que discutem o ISS tramitam perante Conselhos ou Juntas de Tributos
Municipais.
A lei complementar deve definir os órgãos e as competências para julgamento da
CBS e/ou do IBS, levando-se em conta que são tributos idênticos.
A EC 132/23 estabeleceu, no artigo 156-B, III, que os Estados, o Distrito Federal e os
municípios exercerão de forma integrada, exclusivamente por meio do Comitê
Gestor do IBS, nos termos e limites estabelecidos nesta Constituição e em lei
complementar, competência para decidir o contencioso administrativo em relação
ao IBS.
O artigo 156-B, parágrafo 8o, da EC 132/23, prevê que a lei complementar “poderá”
prever a integração do contencioso administrativo relativo aos tributos previstos nos
artigos 156-A (IBS) e 195, V (CBS).
De plano, verifica-se que a EC 132/23 afastou a possibilidade de utilização dos órgãos
administrativos já existentes em relação ao IBS, eis que isto representaria uma
fragmentação dos julgamentos em incontáveis órgãos administrativos de
julgamento pelo país, com decisões contraditórias e incalculável insegurança.
Mesmo com a competência outorgada ao Comitê Gestor para decidir o contencioso
administrativo do IBS, remanesceria a possibilidade de potenciais conflitos de
entendimento com decisões envolvendo a CBS pelo já existente Carf. Essa
possibilidade exigiria a criação de um outro órgão para uniformizar as divergências.
Além do mais, perderíamos a oportunidade de também inovar nos já viciados
modelos que regem o processo administrativo fiscal atual, havendo um indesejado
Dino pede explicações a Lula e ao Congresso sobre
orçamento secreto
choque entre o idealmente novo e moderno órgão de julgamento do Comitê Gestor
e o velho Carf.
Foi nessa linha que o projeto de lei no 37/24 da deputada Adriana Ventura (Novo-SP)
caminhou, sugerindo uma Câmara Técnica de Uniformização entre as decisões
envolvendo a CBS no âmbito do Carf e as decisões envolvendo o IBS no âmbito do
Conselho Tributário do IBS a ser criado no Comitê Gestor. Traz algumas inovações,
mas também velhos vícios que não poderiam embarcar nesta nova era de
modernidade do nosso sistema (como a vulnerabilidade ideológica dos seus
membros).
A possibilidade remanescente conduz à ideia de criação de um órgão novo, que
concentraria a competência de decidir, no âmbito administrativo, todos os casos que
envolverem a CBS e o IBS em todo o país. É a proposição encampada pelo PLP no
50/2024, de autoria do deputado Joaquim Passarinho (PL – PA), com esteio em
trabalho capitaneado pela Frente Parlamentar do Empreendedorismo com
participação e coordenação do grupo “MT – Mulheres no Tributário”. Propõe
uniformidade no julgamento envolvendo dois tributos idênticos com os mesmos
fatos geradores por um novo órgão de julgamento denominado Conselho Nacional
Administrativo Tributário (CNAT).
As vantagens são inúmeras, pois esse modelo comportaria a criação de uma
estrutura absolutamente inovadora, aproveitando a experiência positiva dos demais
órgãos de julgamento do país (julgadores independentes, seleção com rigoroso
processo seletivo, mandato por tempo determinado de 10 anos, avaliação de
desempenho, turmas com número ímpar e paridade de gênero na sua composição)
e extirpando todos os defeitos que geraram tantos litígios entre Fisco e contribuintes
nas últimas décadas (como por exemplo o voto de qualidade, composição,
vinculação às administrações tributárias, dentre tantos outros).
O PLP no 50/2024 contempla estruturas básicas já previstas no Projeto de Lei
Complementar no 124/22, como a mediação e a tentativa de transação pré-
contenciosa, além de primeira instância formada por auditores fiscais licenciados
dos três níveis federativos, uma segunda instância formada por turmas
especializadas por matérias e uma instância encarregada pela uniformização de
divergências. O custo para a criação do órgão novo seria compensado no tempo
com o progressivo enxugamento dos atuais órgãos de julgamento.
Aguarda-se, por fim, a proposta a ser apresentada pelo governo federal para que de
todas elas seja possível extrair as melhores sugestões.
Fonte: Valor Econômico