Receita Federal antecipa tributação sobre créditos de PIS e Cofins

As discussões sobre os créditos a recuperar da chamada “tese do século” - que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins - ainda não chegaram ao fim, quase sete anos depois da vitória dos contribuintes no Supremo Tribunal Federal (STF).

As discussões sobre os créditos a recuperar da chamada “tese do século” – que
excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins – ainda não chegaram ao fim,
quase sete anos depois da vitória dos contribuintes no Supremo Tribunal Federal
(STF). A Receita Federal publicou entendimento que, na prática, antecipa a
tributação dos valores pagos a mais pelas empresas.

Para o órgão, as companhias sob o regime do lucro real – aplicado àquelas com
faturamento anual superior a R$ 78 milhões – devem recolher o Imposto de Renda
(IRPJ) e a CSLL quando contabilizam esses valores em seus registros, antes mesmo
de ser finalizada (transitar em julgado) decisão sobre o reconhecimento ao direito ao
crédito.

O entendimento está na Solução de Consulta no 308, editada recentemente pela
Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), que deve ser seguida por todos os fiscais
do país. A norma foi editada pouco antes de o governo federal anunciar medida
provisória (MP) para limitar a compensação de créditos tributários.

A MP no 1.202, publicada no dia 29, vale para valores superiores a R$ 10 milhões. O
limite será mensal e estabelecido por ato do Ministro de Estado da Fazenda. Foi
adotado porque o governo alegou ter ficado surpreso com o enorme volume de
pedidos de compensação gerados com a “tese do século”.

O entendimento da Receita Federal adotado agora diverge de solução de consulta
anterior, de no 183/2021, que determinava a cobrança na primeira compensação
tributária – ou seja, quando o crédito começasse, de fato, a ser usado.

Para advogados, a mudança de entendimento prejudica as empresas, que podem
ser autuadas por atraso no recolhimento dos tributos, acrescido de juros e multa.
Até os contribuintes que seguiram a consulta anterior correm o risco da penalidade.

A nova orientação da Receita Federal se opõe à legislação
tributária”

— Maria A. dos Santos

No entendimento da tributarista Maria Andréia dos Santos, sócia do Machado
Associados, a nova orientação se opõe à legislação tributária. “A decisão contradiz a
solução de consulta anterior, o artigo 170-A do CTN e é contraditória em si mesma,
porque também diz que a tributação só pode ocorrer após o trânsito em julgado”,
afirma. “Antes, não há direito certo, definitivo, mensurado e líquido de que houve
incorporação ao patrimônio da empresa.”

Apesar de parecer um complemento do posicionamento anterior, a consequência
prática é a antecipação do pagamento dos tributos, segundo o tributarista Diogo
Olm Ferreira, do escritório VBSO Advogados. “Ela está trazendo um critério novo, que
não era adotado”, diz. Ele acrescenta que o registro na contabilidade “não constitui
direito” e, por isso, não pode ser usado como marco para a cobrança.

A tributarista Thais Shingai, sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados,
endossa esse posicionamento. De acordo com ele, os registros contábeis das
empresas são baseados, muitas vezes, em estimativas. “Não é raro um valor sofrer
alguma mudança após análise da Receita, que faz uma revisão mais rigorosa dos
números”, afirma. Por isso, considera ser “preocupante” o fato de essa contabilização
ser adotada como baliza, por não ser fator gerador do IRPJ e CSLL.

Outra preocupação dos especialistas é de que a solução de consulta, embora trate
sobre os créditos da “tese do século”, passe a ser aplicada também em outras
discussões. Por meio desse instrumento, o contribuinte pode tirar dúvidas sobre a
aplicação da legislação tributária. As respostas da Cosit, como a desse caso, são
vinculantes, ou seja, valem para todas as empresas.

Duas soluções de consulta foram publicadas após o julgamento do STF. Em 2017, os
ministros entenderam que o ICMS não integra a base do PIS e da Cofins. Com isso,
reconheceram que as empresas pagaram impostos a mais.

O contribuinte, porém, após vencer a disputa, precisa deixar na mesa, para a União,
34% dos valores que têm a receber. Essa fatia é referente ao recolhimento de IRPJ e
CSLL que incidem sobre o acréscimo patrimonial da empresa.

Várias teses surgiram, então, sobre o momento dessa tributação. Alguns
contribuintes acreditavam que só poderiam ser tributados após uma decisão judicial
definitiva, outros quando os créditos caíssem no caixa da empresa ou quando a
primeira compensação de crédito fosse depositada na Receita. E alguns, mais
conservadores, após essa compensação ser aceita – o que pode demorar até cinco
anos.

Para resolver o problema, a Receita publicou uma primeira solução de consulta
sobre o tema Ficou definido que a cobrança deve ocorrer na primeira declaração de
compensação, o que já foi alvo de críticas na época. “No momento que faço o
pedido, não tenho certeza se a Receita vai concordar”, afirma o tributarista Diogo
Olm Ferreira.

Alguns contribuintes chegaram a registrar os créditos na contabilidade em 2017,
mas só começaram a compensar os valores após o julgamento de recurso no STF,
em 2021, que limitou os efeitos da decisão anterior. Nos embargos de declaração, os
ministros definiram que só quem entrou com a ação antes de março de 2017 teria
direito aos créditos.

“Elas ficaram quatro anos na insegurança. Registraram, mas não usaram os créditos
porque não sabiam como o Supremo iria modular os efeitos”, diz Ferreira, ao citar
que isso ocorreu com alguns clientes do escritório. O trabalho agora é o de não fazer
com que a diretriz retroaja. “Vai caber defesa demonstrando como com o registro
contábil ainda prevalece uma série de inseguranças em relação à efetividade.”

Fonte: Valor Econômico

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