O Tribunal Regional Federal da 2a Região (TRF-2) reconheceu o direito de uma empresa do setor de tecnologia e meios de pagamento por aplicativos ao aproveitamento de créditos de PIS e Cofins sobre gastos com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Essa é a primeira decisão de segunda instância favorável aos contribuintes.
Até então, nove pedidos haviam sido negados nos tribunais regionais federais, segundo balanço do escritório RFtax Advogados e Consultores. Seis deles no TRF-3, dois no TRF-4 e um no TRF-2.
A tese das empresas é a de que esses investimentos seriam insumos essenciais para suas atividades, em razão de a LGPD – Lei no 13.709, de 2018 – ter instituído uma série de obrigações. A argumentação tem como base decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em 2018, por meio de recurso repetitivo, a 1a Seção decidiu que deve ser considerado insumo e, portanto, apto a gerar créditos, tudo que for imprescindível para o desenvolvimento da atividade econômica. A análise deve ser feita caso a caso, por depender de provas (REsp 1221170).
O que os contribuintes no regime não cumulativo buscam são créditos de 9,25% sobre os valores gastos. Em geral, pequenas e médias empresas têm desembolsado entre R$ 50 mil e R$ 800 mil por ano na implantação das exigências da LGPD, segundo estimativa da PwC Brasil. Nas de grande porte, os gastos variam de R$ 1 milhão a R$ 5 milhões.
A decisão no TRF-2 foi obtida pela Zoop Tecnologia e Meios de Pagamento. Em seu voto, a relatora do caso na 4a Turma Especializada, Carmen Silvia Lima de Arruda, destaca que, por força de imposição legal, a empresa teve que adotar “diversas medidas em relação ao manuseio e guarda de informações de terceiros, incluídos seus clientes, fornecedores e colaboradores”. Trata-se, acrescenta, de “investimento obrigatório, imprescindível ao alcance dos objetivos sociais da impetrante.”
Para ela, “seria medida de segurança necessária à proteção dos dados dos seus clientes e de terceiros, inclusive passível de sanção pelo descumprimento da normatividade imposta”. Por isso, diz em seu voto, “as despesas com as adequações previstas na LGPD merecem ser reconhecidas como insumos para fins de aproveitamento no sistema da não cumulatividade de PIS e Cofins”.
A decisão do TRF-2 garantiu ainda o direito de o contribuinte reaver valores pagos indevidamente ou a maior nos últimos cinco anos – por restituição ou compensação tributária (apelação cível no 5112573-86.2021.4.02.5101).
De acordo com Murillo Allevato, sócio do Bichara Advogados, que defende a Zoop, a peculiaridade da atividade da empresa contou para a decisão favorável. A Zoop, afirma, faz a aproximação financeira do estabelecimento comercial com o consumidor final, ao utilizar aplicativos de compra. “Ou seja, é inerente ao negócio essa coleta de dados da pessoa que está fazendo o pagamento. Todas essas transações geram muitas informações. A atividade da empresa é lidar com esses dados. Sem isso não pode praticá-la”, diz.
Para o advogado, empresas do mesmo setor ou de outros que comprovem que grande parte da sua receita vem da coleta de dados – como varejista que obtém toda sua receita de forma on-line – têm chances de obter decisões favoráveis.
Guilherme Manier, sócio do Viseu Advogados, concorda. Para ele, a decisão deve estimular outras empresas do setor de tecnologia e meios de pagamento a recorrer ao Judiciário. “A tendência é que haja agora uma busca do mesmo reconhecimento”, diz.
Ficou claro na decisão, segundo Manier, que essa empresa está em um setor específico e não se consegue desvincular suas atividades dos gastos com LGPD. “É algo imprescindível”, afirma ele, acrescentando que outros setores que dependem de um volume muito grande de informações, como empresas da área de saúde e agências de recursos humanos, também poderiam ser beneficiadas.
Esse precedente favorável pode dar mais força à discussão, segundo Rubens Souza, do escritório WFaria. O advogado atua na defesa da FLC Indústria e Comércio de Plástico e da TNG Modas, que não conseguiram decisões favoráveis no TRF-3 (ações no 5003440-04.2021.4.03.6000 e no 5007504-48.2021.4.03.6100). Ele afirma que já foram apresentados recursos aos tribunais superiores.
Souza lembra ainda que a solução pode vir pelo Congresso. Está em tramitação no Senado projeto de lei, de no 4/2022, para regulamentar esse direito a créditos de PIS e Cofins sobre gastos com a LGPD. Foi proposto pelo senador Izalci Lucas (PSDB-DF).
Rafael Fabiano, sócio do RFtax Advogados e Consultores, ressalta que, embora existam decisões no Carf e judiciais enquadrando as despesas para implementação de obrigações legais como insumos, a análise sobre gastos com a LGPD estava sendo feita de forma restritiva. “Porém, o TRF-2 acabou adotando um entendimento mais brando, pois toda e qualquer empresa que manuseia dados de terceiros,
independentemente de sua atividade, tem o dever de proteger tais dados.”
Por nota, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) destaca que todos os demais processos no TRF-2 sobre gastos com LGPD foram julgados improcedentes. Para o órgão, “não se pode dizer que essa única decisão, proferida apenas para esta empresa específica, signifique a tendência do tribunal ao julgar casos de uma classe ou um grupo de empresas sobre o assunto”.