O desembargador Carlos Eduardo Delgado, da 3a Turma do Tribunal Regional
Federal da 3a Região (TRF-3), cassou uma liminar e manteve a revogação prevista
para o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) para cerca
de quatro mil empresas de São Paulo. Ele entendeu que não há ilegalidades na
Medida Provisória (MP) no 1.202, de 2023, que cancelou a isenção tributária
estabelecida para os setores de eventos e turismo.
Na visão dele, não há direito adquirido para essas companhias porque a isenção
dada pelo programa é não onerosa, portanto, o benefício fiscal pode ser revogado a
qualquer momento via MP. “Como isenção simples, não há qualquer sentido em se
falar em hipotético direito adquirido de usufruir dos benefícios do Perse pelo prazo
quinquenal em detrimento da nova legislação, que regularmente a revogou”, diz o
desembargador.
Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), existem 37 ações sobre
esse assunto no TRF-3. Esse é o quinto processo julgado, todos de forma favorável à
União. Na primeira instância, apenas na capital, em São Paulo, são 126 processos em
tramitação. A única liminar favorável aos contribuintes, agora analisada, foi obtida
pelo Sindicato das Empresas de Turismo do Estado de São Paulo (Sindetur), segundo
o procurador Andrei Aguiar, da Fazenda Nacional.
Para Aguiar, a decisão reforça uma jurisprudência que está sendo formada a favor
da União. “Com essa decisão e as outras monocráticas dos desembargadores estão
chancelando o entendimento de que é possível a revogação através da MP”, afirma.
Ele ressalta ainda que não foi exigida contrapartida para obter os benefícios do
Perse, argumento que reforça a tese de que é uma isenção não onerosa. “Não foi
exigido contrapartida, a empresa não teve nenhum gasto, apenas inscrição no
Cadastur [Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos].”
Na decisão, o desembargador Delgado suspendeu o mandado de segurança coletivo
menos de um mês após a tutela ter sido concedida pela juíza federal Silvia
Figueiredo Marques, 26a Vara Cível Federal de São Paulo, no dia 11 de março.
Empresas associadas ao Sindetur haviam conseguido permanecer com os benefícios
fiscais do Perse até março de 2027, prazo inicial estipulado pela Lei no 14.148/2021,
que criou o programa.
O Perse zerou a alíquota do Imposto de Renda (IRPJ), da CSLL e do PIS e Cofins por
cinco anos para empresas de turismo e segmentos correlatos, por terem sido as
mais afetadas pela pandemia da covid-19. No fim de 2023, porém, a MP no 1.202
revogou essa isenção para alcançar o equilíbrio fiscal neste ano – por ora, contudo, o
texto ainda não está valendo. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o
Perse provocou uma renúncia fiscal de R$ 17 bilhões a R$ 32 bilhões em 2023.
Contribuintes entendem que a medida é ilegal, pois eles deveriam continuar com a
alíquota zero do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins até o prazo definido pela lei, isto é, até 2027.
A juíza federal havia acatado a tese em nome dos princípios da “não surpresa do
contribuinte e da boa-fé da administração pública” (processo no 5005016-
18.2024.4.03.6100).
O desembargador Delgado, porém, acatou a tese da União no agravo de
instrumento. Ele citou o artigo 178 do Código Tributário Nacional (CTN) e diferenciou
dois tipos de isenção, as onerosas e simples. Enquanto as onerosas são dadas com
prazo definido, requisitos e não podem ser revogadas, as simples podem ser
revogadas a qualquer tempo, desde que respeitado o princípio da anterioridade.
Para o desembargador, o tipo de isenção do Perse é simples, pois não houve
qualquer ônus às empresas, apenas a realização de um cadastro em que atesta que
elas são do ramo de eventos – algo que é apenas um requisito legal para obtenção
das benesses fiscais, e não uma condição, como defendem as empresas.
“Não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a
fruição dos benefícios previstos, o que implica em reconhecer a ausência de violação
do artigo 178 do CTN”, diz o desembargador. Ele também afastou a aplicação da
Súmula n° 544 do Supremo Tribunal Federal (STF), de que “isenções tributárias
concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas” (processo
no 5007599-40.2024.4.03.0000).
A procuradora-chefe da defesa na Procuradoria-Regional da Fazenda Nacional da 3a
Região (PRFN-3), Camila Castanheira Mattar, afirma que o posicionamento de poder
revogar isenções não onerosas já ocorreu em outros casos, como revogação de
benefício de IPI. “Não há ilegalidade na MP porque ela cumpre os requisitos do
artigo 178 do CTN. Por isso, temos muita convicção de que a União vai se consagrar
vencedora nesta tese.”
O advogado Alex de Araújo Vieira, sócio do escritório Vieira & Di Ribeiro Advogados,
que defende o Sindetur, diz que vai recorrer e que a decisão do desembargador é
incoerente. “Na nossa visão, ele interpreta o artigo 178 de forma equivocada, porque
os benefícios foram dados por prazo certo e não podem ser retirados”, afirma.
“Faltou respeitar o direito das empresas de não serem pegas de surpresa com a
revogação dois anos e meio antes do final do programa.”
A MP observou a anterioridade nonagesimal e começaria a valer neste mês. Mas o
presidente do Congresso Nacional, o senador Rodrigo Pacheco, prorrogou os efeitos
da medida por mais 60 dias. Há ainda um projeto de lei enviado pelo governo após
mobilizações do setor para manter o Perse apenas para alguns setores e categorias.
Além de revogar o Perse, a MP 1.202 limitou as compensações fiscais e reonerou
gradativamente a folha salarial. Com a revogação dos benefícios, haveria um
impacto positivo para o caixa do governo em 2024 de R$ 6 bilhões, de acordo com
estimativas da Receita Federal inseridas na exposição de motivos da MP. A legalidade
da medida provisória está em discussão no Supremo Tribunal Federal (ADI 7587).
Fonte: Valor Econômico