STJ definirá validade de medidas de cobrança atípicas

Os dois recursos repetitivos que serão analisados pela Corte Especial são do Banco Daycoval.

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai definir, em recurso
repetitivo, se é possível aplicar medidas atípicas em ações de cobrança, como
suspensão de passaporte, bloqueio de cartão de crédito e de redes sociais.
Enquanto credores dizem que essas saídas são eficientes para pressionar o
pagamento de dívida, devedores entendem ser uma atitude que ultrapassa direitos
fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, o de ir e vir e o da liberdade
de expressão.

Os dois recursos escolhidos são do Banco Daycoval. Em um deles, a instituição
questiona decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que negou o bloqueio
do passaporte, Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e cartões de crédito de
devedor com dívida superior a R$ 400 mil.

No acórdão, o relator, desembargador Alberto Gosson, cita o Código Civil Francês
inspirado na Revolução Francesa de 1789, que vedou a pena de prisão civil por
dívida. Para ele, o débito se consolidou no patrimônio do devedor, “não mais
cabendo a penalização corporal ou a restrição da liberdade (escravidão) como
modalidade de compensação pela não solução de dívidas”.

Na visão de Gosson, as medidas atípicas não podem ultrapassar a penalização
patrimonial. “O devedor deve dinheiro e, por não pagar, pode ter seu direito de ir e
vir (e não se diga que não se trataria de ofensa ao direito de locomoção, ainda que
em intensidade menor do que o cerceamento de locomoção física, como o caso da
prisão) substancialmente cerceado”, afirma (processo no 2041664-
45.2021.8.26.0000).

No outro caso, o Daycoval pede os mesmos bloqueios contra uma empresária do
ramo de aço que deve cerca de R$ 300 mil por um financiamento cuja garantia não
existe mais, o que motivou a execução. Tanto a sentença quanto o TJSP indeferiram
o pedido (processo no 2272477-42.2019.8.26.0000).

Vários partes interessadas acompanham as ações no STJ, como a Federação
Brasileira de Bancos (Febraban) e o Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).
Segundo a Comissão Gestora de Precedentes e de Ações Coletivas do STJ, existem 76
acórdãos sobre o tema na Corte, além de 2.168 decisões monocráticas até o ano
passado, quando o repetitivo foi afetado (Tema 1137).

De acordo com advogados, o tema é relevante por permitir o cumprimento de
sentenças de forma mais célere. A suspensão nacional de processos determinada
pela Corte, porém, tem feito muitos juízes negarem a medida, inserida no artigo 139
do Código de Processo Civil (CPC) em 2015.

Gabriel Orleans Bragança, sócio do SOB Advogados, diz que a previsão se aplica a
qualquer processo. “O objetivo é fazer com que a contraparte cumpra a decisão. Não
estamos indo além do patrimônio em si, trata-se de compelir o devedor a pagar”,
afirma. Ele lembra que o devedor é intimado a indicar bens a penhora – do contrário,
pode ser multado por litigância de má-fé, por faltar com a verdade.
Esse tipo de estratégia, diz, só faz sentido quando há indícios de ocultação de
patrimônio. Com a popularização da blindagem patrimonial, acrescenta, tem sido
cada vez mais difícil localizar bens para que as dívidas sejam adimplidas. “Se o
devedor não indica bens a penhora e o Sisbajud vem com uma resposta negativa ou
infrutífera, é natural que se pense na possibilidade blindagem patrimonial”, afirma.
“É quase impossível identificar ativos quando se vale desse expediente. É aí que cabe
a medida coercitiva.”

Já na visão do advogado Enio Expedito Franzoni, do Franzoni Advogados Associados,
que defende a devedora em um dos casos no STJ, permitir os bloqueios é sinônimo
de regressão, como no direito romano. “Se essas medidas forem avançando, vamos
chegar à pré-história, em que a pessoa pagava com a própria vida. Se você deve ao
banco, ele bloqueia o cartão de crédito e a pessoa não pode pagar farmácia, conta
de telefone, luz, água e atividades elementares à dignidade da pessoa humana, que
ficam tolhidas.”

No caso de sua cliente, foi feito um financiamento para a compra de aço para a
empresa dela, a Perfilados Vanzin, que acabou em recuperação judicial. Segundo
Franzoni, a jurisprudência tem estado bem dividida, mas ainda há maioria favorável
aos devedores. “Diria que está 60% pelo não bloqueio.”

Para Cassio Scarpinella Bueno, presidente do IBDP e professor da PUC-SP, o tema no
STJ não está bem representado pelos processos selecionados. “São casos muito
corriqueiros, de coisas do dia a dia. A discussão é muito mais ampla”, afirma ele,
indicando que o julgamento ficou limitado a bancos, que têm regras próprias.

Segundo ele, a jurisprudência caminha para a legalidade da previsão das medidas
atípicas, desde que esgotados outros meios de penhora de bens. Ele lembra que o
próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já analisou o artigo do CPC, que foi declarado
constitucional. A ação foi ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que queria
reduzir o escopo das medidas coercitivas, afastando o bloqueio da CNH, passaporte,
assim como a proibição de participação em concurso e licitação pública (ADI 5941).

O GMW Advogados Associados, que atua na defesa do Banco Daycoval, diz ter
adotado a estratégia de pedir o bloqueio do passaporte e CNH por entender que “se
o devedor tem condições de fazer viagem internacional, ele tem o recurso ou existe
alguma fonte financiando, da mesma forma, se tem uma CNH, tem um carro, nem
que seja alugado”.

Fonte: Valor Econômico

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