O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) derrubou um auto de infração
que cobrava um total de R$ 329 milhões de PIS e Cofins do Banco Itaú, em valores
atualizados, após operação bilionária que envolveu a securitizadora da instituição
financeira. A decisão unânime é da 2a Turma da 3a Câmara da 3a Seção, que
afastou a alegação da Receita Federal de planejamento tributário abusivo. Ainda
cabe recurso.
A operação analisada pela fiscalização consistiu em transferência de
aproximadamente R$ 8,1 bilhões para a Companhia Securitizadora de Créditos
Financeiros (Itaú Cia Sec) em março de 2015 e a utilização desse valor, na mesma
data do aumento do capital social da securitizadora, para a aquisição de cotas do
fundo de investimento exclusivo RT Voyager Renda Fixa Crédito Privado.
As cotas do fundo RT Voyager proporcionaram à Itaú Cia Sec receitas financeiras de
R$ 1,1 bilhão, em 2015, e R$ 1,4 bilhão, em 2016. Contudo, essas receitas foram
integralmente excluídas das bases de cálculo do PIS e da Cofins, por não estarem
relacionadas à atividade típica do objeto social da entidade, que seria a securitização
de créditos.
O percentual de participação de cada acionista na Itaú Cia Sec não se alterou com o
aumento do capital social – 91% é do Itaú Unibanco, 8% da Provar Negócios de
Varejo e uma parcela irrisória do Itaú BBA Participações.
Para a fiscalização, contudo, a aparência meramente formal da securitizadora
viabilizou a execução de um planejamento tributário abusivo, baseado em fatos
simulados, unicamente para atrair a aplicação de norma tributária benéfica, que
resultasse em carga tributária menor.
Já a defesa do Itaú afirma, no processo, que existe propósito econômico-empresarial
para o aumento de capital da Itaú Cia Sec. Isso porque a operação foi realizada um
dia antes do Decreto no 8.426, de 2015, que restabeleceu as alíquotas de PIS e Cofins
sobre receitas financeiras no regime não cumulativo. Alega também que não houve
fraude.
Ao analisar o caso, a relatora, conselheira Mariel Orsi Gameiro, entendeu que o
objetivo de economia tributária é suficiente a embasar e preencher o conteúdo do
propósito negocial. “Especialmente porque a operação aqui carrega todos os
registros e atendimento às normas jurídicas, contábeis e fiscais”, afirma na decisão.
Além disso, a conselheira destaca que existe comprovada existência de um segundo
propósito, que é o regulatório. “Tendo em vista que a operação foi realizada também
com intuito de observância do Basileia III, face à manutenção do índice de
imobilização abaixo do limite de 50% (capital prudencial do grupo)”, diz.
A conselheira ainda ressalta que “não houve simulação pelo simples fato de alocação
das receitas na Itaú Securitizadora, principalmente porque o embasamento
enganoso e estapafúrdio usado pela fiscalização reside num exercício de futurologia
de legislação que restabeleceria as alíquotas de receitas não financeiras a partir de 1o
de abril de 2015, quando toda operação foi realizada em 30 de março de 2015”.
“Esse é o primeiro precedente com uso de securitizadora em
planejamento tributário”
— Caio Malpighi
Assim decidiu pela anulação do auto de infração e considerou prejudicada a
acusação de fraude, bem como a aplicação da multa qualificada (processo no
16327.720206/2020-69). Ela foi acompanhada pela maioria dos conselheiros.
Segundo o tributarista Caio Malpighi, do VBSO Advogados, esse é o primeiro
precedente de que tem conhecimento, no qual se utiliza uma securitizadora do
grupo em planejamento tributário, que não estaria sujeita ao recolhimento de PIS e
Cofins sobre as receitas financeiras.
Para Malpighi, a decisão é ainda mais interessante porque reacende a discussão
sobre a obrigação de ter ou não um propósito negocial para essas reestruturações. A
conselheira relatora, no caso, acrescenta, entendeu que a empresa agiu dentro da
legalidade e poderia fazer essa operação mesmo que visando a economia de
tributos, apesar de o Itaú ter demonstrado haver outras motivações.
Esse julgamento do Carf, segundo o advogado Maurício Faro, do BMA Advogados,
segue alinhado com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), ao validar a
chamada “norma geral antielisão”, voltada a combater planejamentos tributários
considerados abusivos pelo Fisco (ADI 2446). Ele afirma que, na ocasião, a ministra
Cármen Lúcia, embora tenha reconhecido a validade do parágrafo único do artigo
116 do Código Tributário Nacional (CTN), entendeu que o contribuinte tem direito de
se reorganizar e que essa reorganização com fins a eficiência tributária se justificaria
por si só.
No caso analisado pelo Carf, afirma Faro, a maioria dos conselheiros entendeu por
anular o auto de infração, tanto pelo direito de se reorganizar do contribuinte, de
buscar um planejamento que traduz em eficiência tributária, quanto pelo
fundamento regulatório. “Os dois argumentos se sustentam para afastar a alegação
de simulação ou fraude”, diz.
Fonte: Valor Econômico