O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão de todos os processos do país que tratam da validade da chamada “pejotização”, ou seja, a contratação de um trabalhador autônomo ou pessoa jurídica para a prestação de serviços.
Gilmar Mendes afirmou que a Justiça trabalhista tem realizado um “descumprimento sistemático da orientação” do STF sobre esse tema, o que estaria gerando um “cenário de grande insegurança jurídica” e um “aumento expressivo do volume” de ações na Corte sobre essas situações.
“Essa situação não apenas sobrecarrega o Tribunal, mas também perpetua a incerteza entre as partes envolvidas, afetando diretamente a estabilidade do ordenamento jurídico”, escreveu o ministro.
Até agora, o STF vinha analisando os casos de “pejotização” com base em julgamento de 2018 que considerou válida a “terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas”. A “pejotização” seria uma dessas formas de contrato permitidas.
O recurso que será analisado, contudo, afirma que essa tese não se aplica ao caso concreto atual, já que não estaria sendo discutida a possibilidade de terceirização, mas sim uma possível fraude no contrato. Na argumentação dos advogados, teria ocorrido um vínculo com uma pessoa física, e não jurídica.
Gilmar argumentou que a suspensão dos processos “impedirá a multiplicação de decisões divergentes sobre a matéria, privilegiando o princípio da segurança jurídica e desafogando o STF”.
A decisão foi tomada em um processo no qual o STF vai discutir não só a validade desses contratos, mas também a competência da Justiça do Trabalho para julgar casos de suposta fraude e a definição sobre quem deve comprovar o descumprimento das regras, o trabalhador ou o contratante.
O caso tem repercussão geral, ou seja, o que for definido valerá para todos os casos semelhantes. A suspensão dos processos vale até que essa ação seja julgada pelo plenário do STF.
Não há prazo para esse julgamento acontecer. Até lá, ficam paralisado o andamento das ações sobre esse tema em todas as instâncias, incluindo as que já tiveram vitórias de uma das partes, mas com recursos pendentes.
— Estão suspensos na Justiça do Trabalho até que que se defina de quem é a competência par julgar e de quem é o papel de provar (uma fraude). São questões importantíssimas que nenhum juiz, nenhum tribunal pode se debruçar sem que antes seja dado o norte do Supremo Tribunal Federal — explica o advogado Jorge Matsumoto, sócio do Bichara Advogados.
Mauricio Corrêa da Veiga, advogado trabalhista e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, afirma que a suspensão envolve qualquer ação judicial que discuta a contratação por meio de uma pessoa jurídica, o que inclui os MEIs.
— Estamos falando de médico, de jornalista, de engenheiro, de advogado, técnico de informática. Ou seja, são as profissões e as atividades ali das mais variadas possíveis. Basta ter uma discussão de uma contratação através de uma pessoa jurídica que pronto, está dentro desse guarda-chuva dessa decisão do ministro Gilmar Mendes — avalia Veiga.
A ação que está sendo analisada começou a tramitar em 2020, quando um corretor pediu que fosse reconhecido seu vínculo de trabalho com uma seguradora. Entre 2015 e 2020, ele teve um contrato para atuar como corretor de seguros, com remuneração média mensal de R$ 16 mil, entre pagamentos fixos e comissões.
Inicialmente, o pedido foi negado na primeira instância, em 2021. A juíza Patrícia Poli, da 14ª Vara do Trabalho de Curitiba, alegou que ele não recebeu oferta de uma “uma vaga de emprego, mas sim, um contrato de franquia de corretagem”, e que por isso não seria empregado, mas sim “parceiro na comercialização de produtos”.
No mesmo ano, a decisão foi revista pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-9), que considerou que houve vínculo de trabalho. O relator, desembargador Luiz Alves, afirmou que a relação entre o corretor e a seguradora ocorrida “de forma subordinada, mediante pessoalidade, de forma onerosa e habitual”.
Em 2023, houve uma nova reviravolta, com o ministro Alexandre Luiz Ramos, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), retomando a sentença da primeira instância. Para Ramos, o TRT-9 desrespeitou o entendimento do STF sobre a validade da terceirização. A decisão foi mantida pela Quarta Turma do TST.
Ministro citou alto número de ações
No início deste ano, um recurso do corretor chegou ao STF. Gilmar Mendes chegou a rejeitar o pedido. Entretanto, depois reconsiderou sua posição e defendeu o reconhecimento da repercussão geral do caso, que contribuiria para a “pacificação da questão”.
O STF definiu que esse caso deve ter repercussão geral em um julgamento encerrado na sexta-feira. Apenas Edson Fachin foi contrário.
Gilmar, que é o relator, afirmou que a discussão não deve ficar limitada apenas aos contratos de franquia e que deve envolver outras categorias.
“É fundamental abordar a controvérsia de maneira ampla, considerando todas as modalidades de contratação civil/comercial. Isso inclui, por exemplo, contratos com representantes comerciais, corretores de imóveis, advogados associados, profissionais da saúde, artistas, profissionais da área de TI, motoboys, entregadores, entre outros”, escreveu o ministro.
Gilmar também ressaltou “que, diariamente, chegam ao STF inúmeros casos” envolvendo decisões da Justiça do Trabalho. De acordo com o ministro, entre janeiro e setembro de 2024 foram distribuídas entre os integrantes do STF 4.440 reclamações (um tipo de classe processual) questionando decisões trabalhistas.
“Diante desse cenário, verifica-se que a controvérsia constitucional não se restringe ao caso concreto descrito no recurso e possui evidente relevância jurídica, social e econômica. A solução, a ser dada por meio da decisão definitiva e com efeito vinculante pelo Supremo Tribunal Federal contribuirá para a pacificação da questão em todo o país”, afirmou o relator.
Fonte: O Globo – Foto: Gustavo Moreno/STF/12-03-2025