O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou ontem (28) o julgamento que vai definir
se o ISS integra a base de cálculo do PIS e da Cofins. Por enquanto, o placar está em
quatro a dois contra a União e a expectativa dos contribuintes é de vitória. O
otimismo leva em conta o voto de André Mendonça, único com posicionamento até
então desconhecido e que foi a favor da tese das empresas.
Na prática, se considerado o entendimento que havia no Plenário Virtual, antes de
um pedido de destaque e deslocamento do tema para sessão presencial, e os
posicionamentos relacionados à “tese do século”, já há uma maioria favorável aos
contribuintes. O placar da tese do ISS, que começou no ano de 2020, estava
empatado, no virtual, em quatro a quatro — no físico, o placar foi zerado, mantidos
os votos dos ministros aposentados.
A ação pode causar impacto de R$ 35,4 bilhões para a Fazenda Nacional em caso de
derrota, segundo o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) para o ano de
- O julgamento não foi concluído ontem e será retomado em outra sessão, sem
previsão de retorno à pauta.
Votaram ontem três ministros: Dias Toffoli e Gilmar Mendes a favor da União e
Mendonça, das empresas. E os votos dos ministros aposentados já proferidos nessa
discussão foram preservados — o do relator, Celso de Mello, Rosa Weber e Ricardo
Lewandowski, todos favoráveis aos contribuintes. Por conta disso, não votam os
ministros Nunes Marques, Flávio Dino e Cristiano Zanin, que os substituíram,
respectivamente.
A discussão se baseia no conceito de faturamento e se deveria ser aplicada a mesma
conclusão da tese do século (Tema 69), que excluiu o ICMS da base do PIS e da
Cofins, no ano de 2017. O voto de Mendonça era considerado decisivo pelos
tributaristas porque não havia se manifestado. Além disso, o posicionamento de Luiz
Fux e Mendes já era conhecido, pois votaram na tese do século — Fux pelos
contribuintes e Mendes pela União.
A discussão sobre o ISS é uma das filhotes da “tese do século”. Nesse caso, ficou
definido que os valores do tributo estadual são meramente transitórios no caixa das
companhias e têm como destino os cofres públicos. Agora, os ministros analisam se
o mesmo raciocínio pode ser aplicado nesta ação. Como está em repercussão geral,
a decisão impactará todos os casos semelhantes na Justiça.
Votação
Na sessão, Toffoli manteve seu voto, entendendo que o ISS integra a base de cálculo
do PIS e da Cofins. Ele relembrou a manifestação no Tema 69 e disse que “continua
convencido que o ICMS integra a base de cálculo do PIS e da Cofins” e que o
julgamento de 2017 “não conduz” ao mesmo desfecho nesse caso.
Para ele, o consumidor final é quem paga os valores do tributo, por estarem
integrados ao preço do produto ou serviço vendido ou ofertado pelas empresas,
portanto, terminam fazendo parte da receita bruta das companhias e incorporados
ao patrimônio delas de “maneira definitiva”.
Já Mendonça acompanhou o relator, Celso de Mello (aposentado), e disse ser
necessário preservar a jurisprudência da Corte. “Por coerência interna e integridade
à jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, entendo imperativo estender as
mesmas conclusões [do Tema 69] para o Tema 118”, afirmou, na sessão. Ele propôs
uma modulação do tema, isto é, limitar os efeitos da decisão para a partir da
publicação da ata de julgamento.
Contexto
O caso chegou ao STF no ano de 2008 por um recurso da empresa Viação Alvorada,
concessionária que presta serviço de transporte rodoviário na cidade de Alvorada, na
região metropolitana de Porto Alegre. Ela recorre de um acórdão do Tribunal
Regional Federal da 4a Região (TRF-4) favorável à inclusão do ISS na base do PIS e da
Cofins. A sentença também foi contra a empresa.
O advogado da empresa no processo, o tributarista Heron Charneski, sócio do
Charneski Advogados, defendeu que a tese do século deveria ser aplicada, por ser
mais que filhote, e sim uma “tese-irmã”. “A empresa não fatura o valor do ISS, assim
como não fatura o valor do ICMS”, disse ele, em sustentação oral.
Já a representante da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Patricia Grassi
Osório, também em sustentação oral, afirmou que “não há qualquer parentesco”
entre os temas. “Não há aqui as mesmas razões de decidir do Tema 69”, disse. Na
visão da União, o ISS deve ser encarado como despesa. “O ISS nada mais é do que
um custo da atividade empresarial típica para quem explora determinada atividade
econômica”, completou Patricia.
A procuradora lembrou que o Supremo e Superior Tribunal de Justiça (STJ), em
outros julgamentos, permitiram que um tributo possa compor a base de outro
tributo. Citou o julgamento que declarou constitucional o ICMS na base da
Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) — imposto que também
incide sobre receita — em 2021 (RE 1187264). “Essa Corte, portanto, permanece
entendendo que tributo pode compor a base de cálculo de outro tributo ou dele
mesmo”, completou.
Os contribuintes foram derrotados em quatro teses sobre tributos na base de
tributos e venceram três nas Cortes superiores. Outros seis temas ainda serão
julgados. Durante o julgamento de hoje, o próprio ministro Barroso ressaltou a
quantidade de temas semelhantes. “Com a benção de Deus, a reforma tributária vai
acabar com essas discussões, se entra ou não na base de cálculo do PIS e Cofins,
porque ninguém aguenta mais”, brincou.
Análise
A tributarista Ariane Guimarães, sócia do Mattos Filho, afirma que não é comum os
ministros alterarem voto do Plenário Virtual para o físico em temas tributários. A
perspectiva para os contribuintes é positiva, acrescenta, por conta do voto de
Mendonça. “Era o que mais a gente precisava entender, porque não tinha diretriz
sobre qual seria sua posição”, diz. “Precisamos aguardar uma série de
desdobramentos, mas a sinalização é positiva”.
Para Heron Charneski, o voto de Mendonça foi uma manifestação relevante. “Ele
trouxe precedentes que formaram o conceito de faturamento e receita na
jurisprudência do STF”, afirma ele em entrevista ao Valor. “Não se tem decisão
definitiva, mas há um otimismo que a decisão [da tese do século] seja mantida.”
Daniel Ávila, sócio do Locatelli Advogados, considera que os votos de Toffoli e
Mendes não focaram tanto em conceitos jurídicos, mas no impacto fiscal para a
União. “Tem pouca inclinação do Supremo em respeitar o que já foi definido no
colegiado”, diz. Segundo ele, o artigo 926 do Código de Processo Civil (CPC) prevê que
a jurisprudência nos tribunais seja respeitada. “Os votos dos ministros são mais
vontades humanas do que técnica.”
Fonte: Valor Econômico