A norma, analisada no Plenário Virtual, é do Amazonas, mas pelo menos outros sete Estados e o Distrito Federal têm ou já tiveram previsões legais semelhantes. A decisão foi unânime, seguindo o posicionamento do relator, o ministro Nunes Marques. Ele votou para validar a compensação, contanto que o Estado obedeça à previsão constitucional de repasse de 25% do valor do ICMS para os municípios (ADI 4080). O entendimento foi adotado em ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ajuizada, em 2008, pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSBD).
A legenda questionou a Lei nº 3.062, de 6 de julho de 2006, do Estado do Amazonas, que instituiu a possibilidade de compensação de dívidas de ICMS com créditos de precatórios, se eles tivessem sido expedidos em ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999. O partido argumentou que a norma é incompatível com a Constituição por instituir uma compensação automática, que é vedada pelo Supremo. Também afirmava que a prática burlaria a ordem cronológica de pagamento dos precatórios, já que os credores com dívidas do ICMS passariam “na frente” dos demais.
A norma, segundo o PSDB, ainda desrespeitaria a regra de repartição tributária segundo a qual 25% do ICMS arrecadado deve ser repassado aos municípios. Nunes Marques rechaçou os argumentos. Segundo ele, não há incompatibilidade com a Constituição, uma vez que a norma respeita o princípio da isonomia e não faz distinção entre os contribuintes para concessão de benefícios.
Para o ministro, o principal mérito da lei é “beneficiar todos os credores de precatórios”, uma vez que, ao compensar dívidas, poderá acelerar os pagamentos seguintes. Em relação à obrigação de repasse de 25% do tributo arrecadado para os municípios, o ministro destacou que a lei do Amazonas não dispôs sobre o tema, e que essa omissão “pode mesmo ter dado azo à interpretação de que o diploma local isentara o Estado do dever de repassar, aos municípios, o percentual de 25% dos valores de ICMS compensados com precatórios”.
Conforme decidido pelo Supremo neste ano, por unanimidade, os Estados são obrigados a repassar para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) 25% dos valores de créditos extintos de ICMS, por compensação ou transação tributária (ADI 3837). Assim, o ministro deu parcial provimento à ação do PSDB, para “conferir interpretação conforme à Constituição à Lei nº 3.062, de 6 de julho de 2006, do Estado do Amazonas, de modo a consignar que a compensação de créditos tributários de ICMS deve observar o dever constitucional de repartição dos 25% pertencentes aos municípios (CF, art. 158, IV, “a”)”.
A decisão a respeito da lei amazonense pode direcionar a política tributária de outros Estados que já têm previsões parecidas ou venham a instituí-las, apontam tributaristas. E, acrescentam, não prejudica os credores que estão na fila para recebimento dos precatórios, uma vez que desafoga a lista e acelera o pagamento de quem tem direito a receber.
É louvável a iniciativa dos Estados de resolver o problema dos precatórios” — Guilherme P. Araujo Essa compensação está prevista pela legislação dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, além do Distrito Federal. Em São Paulo, por exemplo, a Lei nº 17.843/2023, que trata de transação tributária, permite o uso de precatórios em compensações com dívidas fiscais ou de outra natureza. No Paraná, leis específicas permitem o uso de precatórios para quitar apenas parte dos débitos inscritos em dívida ativa – de 50% a 95% do valor parcelado.
O último programa, instituído em 2021, foi prorrogado para autorizar um novo período de adesão em 2024. Segundo Fernando Facury Scaff, sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff – Advogados, o que os Estados não podem fazer é obrigar os contribuintes a compensar seus débitos com precatórios. “Isso seria ruim, pois quem lança os débitos de ICMS é o próprio Estado. Assim, ele afasta eventual judicialização dos lançamentos de ICMS e obriga o acerto de contas por meio dos precatórios”, afirma.
Por outro lado, acrescenta, há contribuintes que querem usar créditos de precatórios para o pagamento de dívidas de ICMS. “Mas se trata de uma opção, uma escolha, sem compulsoriedade”, diz ele, lembrando que essa exigência, inclusive, já tinha sido definida pelo Supremo no julgamento da Emenda Constitucional nº 62/2009 (ADI 4357 e 4425). Guilherme Peloso Araujo, sócio do Carvalho Borges Araujo CBA Advogados, destaca que a iniciativa dos Estados de resolver o problema dos precatórios é louvável, uma vez que os recorrentes atrasos nos pagamentos, que são validados por emendas constitucionais e protegidos pela jurisprudência, transformam o governo em uma espécie de “inadimplente protegido”. “O posicionamento adotado pelo STF é correto no sentido de, mesmo protegendo os municípios (que não se apontou terem sido lesados em concreto), garantir que a lei estadual possa dispor sobre o regime de pagamento de precatórios, o que privilegia a autonomia federativa”, afirma o tributarista.
O efeito também é positivo para o contribuinte, conforme avalia o tributarista Thiago Barbosa Wanderley, sócio do Salles Nogueira Advogados, uma vez que proporciona “a possibilidade de manter seu fluxo de caixa”. “Não faria sentido pagar seus débitos de ICMS em dinheiro, enquanto o próprio Estado possui uma dívida com a empresa.” Em nota, o o procurador-geral do Estado do AM, Giordano Bruno Costa da Cruz, afirma que o entendimento do STF acaba por permitir o uso de créditos de precatório como um dos meios de pagamento de dívida tributária.
“É mais uma via de resolução consensual de conflitos entre o Fisco e os contribuintes com o objetivo de diminuir a judicialização de cobrança de dívida ativa e aumentar arrecadação de todos os entes federativos. Ganham todos nós, entes federativos e contribuintes”, diz.
Fonte: Valor Econômico