A primeira manifestação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a estratégia da
Fazenda Nacional para tentar derrubar decisões judiciais que concederam créditos
da “tese do século” a contribuintes, logo após a decisão de mérito da Corte sobre o
assunto, é favorável às empresas. O ministro Luiz Fux não admitiu uma ação
rescisória da União contra R$ 4,4 milhões em créditos da Manatex, empresa do
setor têxtil de Santa Catarina.
Apesar de ser monocrática (de um único ministro), a decisão é importante para
várias empresas. Isso porque ela derruba uma tese usada em centenas de ações da
Fazenda. Cerca de 700 ações rescisórias foram protocoladas contra empresas com
créditos acima de R$ 1 milhão, segundo o procurador da Fazenda Nacional, Paulo
Mendes de Oliveira, coordenador-Geral de Atuação Judicial perante ao STF (CASTF).
Ou seja, no mínimo, o impacto financeiro para o governo nesta tese é de R$ 700
milhões.
Essas empresas, como a Manatex, ingressaram com a ação para excluir o ICMS da
base de cálculo do PIS e da Cofins após o julgamento do mérito pelo STF, em março
de 2017, e obtiveram o trânsito em julgado (quando não cabe mais recurso) da
decisão favorável antes do julgamento dos embargos de declaração, que
modularam os efeitos do entendimento da Corte, em maio de 2021.
Em 2017, o Supremo julgou inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo
desses impostos federais. Quatro anos depois, restringiu para frente os efeitos, para
só valer a partir de março de 2017 – exceto para quem já tivesse processo em
andamento (RE 574.706).
Só que entre março de 2017 e maio de 2021, contribuintes obtiveram na Justiça
decisões favorável, que geraram milhões em créditos tributários. No caso da
Manatex, protocolou em agosto de 2017 – cinco meses após o STF julgar o mérito – e
a decisão definitiva veio em fevereiro de 2021 – dois meses antes do julgamento do
recurso. Isso deu a ela o direito de reaver os impostos pagos a mais desde agosto de
2012.
Foi justamente porque a decisão definitiva no processo da Manatex foi proferida
antes do julgamento dos embargos no STF que Fux deu razão à companhia. “O
acórdão rescindendo, à época de sua formalização, estava em harmonia com o
entendimento do Plenário desta Corte relativo ao referido tema de repercussão
geral, o que inviabiliza sua rescisão”, disse, na decisão da última quarta-feira, 28 (RE
1.468.946).
O ministro relator do recurso citou vários precedentes da Corte que não permitem a
ação rescisória nesse tipo de situação. O principal deles foi o Tema 136: “Não cabe
ação rescisória quando o julgado estiver em harmonia com o entendimento firmado
pelo Plenário do Supremo à época da formalização do acórdão rescindendo, ainda
que ocorra posterior superação do precedente”. Com isso, Fux não analisou os
pedidos da Fazenda.
O advogado Gustavo Taparelli, sócio de tributário do escritório Abe Advogados, diz
que a decisão de Fux, mesmo que monocrática, é um alento para os contribuintes,
pois traz segurança jurídica. “Empresas entraram na Justiça, ganharam, tiveram o
trânsito em julgado, fizeram as compensações tributárias e, depois, recebem na
cabeça uma ação rescisória dizendo que deveriam ter se atentado ao julgamento
dos embargos e não ao trânsito em julgado dos seus próprios processos”, afirma.
Para a PGFN, a empresa só poderia reaver os créditos até março de 2017 e não até o
ano de 2012. Por isso, entrou com a ação rescisória para anular o acórdão da
Manatex e adequá-lo ao entendimento do STF após os embargos.
De acordo com o procurador Paulo Mendes de Oliveira, a decisão de Fux é
“absolutamente isolada” e a única que se tem notícia até então. Em outros recursos
que subiram ao STF, outros ministros têm dito que a matéria é infraconstitucional, o
que daria ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a palavra final.
Porém, em outubro do ano passado, o próprio STJ passou a responsabilidade para o
STF julgar o assunto (REsp 2088760). De toda forma, a PGFN vai recorrer,
principalmente porque, segundo Paulo Mendes, a maioria dos Tribunais Regionais
Federais (TRFs) tem dado vitória à União.
Para o procurador, o Tema 136 – base da argumentação do ministro Fux – não deve
ser aplicado porque não havia um precedente definitivo da tese do século ainda, já
que pendia o julgamento dos embargos. “Não é justo que seja formada uma coisa
julgada quando o tema está pendente de definição”, afirma. “Uns deram sorte de o
processo transitar em julgado antes”, conclui.
A União só teria razão se o contribuinte tivesse uma decisão definitiva após o
julgamento da modulação, diz o tributarista Tércio Chiavassa, sócio de Pinheiro Neto.
“Aí caberia a rescisória”. O advogado afirma que Fux apenas aplicou a jurisprudência
do STF já consolidada nesse tema. “Ainda que tenha mudado posteriormente o
período em questão, foi uma decisão que estava de acordo com o que decidiu o
Supremo no momento”, diz.
Segundo o tributarista Paulo Leite, do Stocche Forbes Advogados, havia um certo
receio do STF aplicar entendimento semelhante à tese da quebra automática da
coisa julgada (Temas 881 e 885) em temas tributários. “Havia uma preocupação se o
STF poderia revisar o entendimento, como houve de flexibilização da coisa julgada.
Mas ele reafirmou que ação rescisória não é instrumento de uniformização de
jurisprudência”, afirma.