Carf impede aplicação de duas multas por falta de pagamento de IRPJ e CSLL

Para 1a Turma da Câmara Superior, deve ser aplicada apenas a multa de ofício, de75%

A 1a Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
(Carf) alterou novamente seu entendimento e manteve, em recente decisão, apenas
uma das duas multas normalmente aplicadas pela Receita Federal contra
empresas por falta de pagamento de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL. A decisão,
por maioria de votos, trouxe esperança de que a última instância do órgão volte a
adotar – e consolide – posicionamento favorável aos contribuintes.

A Receita Federal aplica a dupla penalidade com base na Lei no 11.488, de 2007. A
norma permite a cobrança da multa isolada sobre estimativas mensais não
recolhidas e da multa de ofício por falta de pagamento do IRPJ e da CSLL apurados
no ajuste anual. Há, porém, uma súmula do Carf, de no 105, posterior à lei, que
estabelece que, nessa situação, vale apenas a multa de ofício.

Os contribuintes alegam que não se pode aplicar duas penalidades para o mesmo
fato gerador. Apesar da empresa recolher os impostos por estimativa, argumentam,
o fato gerador do IRPJ e da CSLL é o dia 31 de dezembro de cada ano. Para eles, se a
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Receita aplica a pena maior para a infração maior, essa é que deve prevalecer – a
multa de ofício, de 75%.

A diferença de entendimentos traz um impacto financeiro enorme. Somadas, as
multas geram acréscimo de 125% sobre o valor devido – além dos 75% da multa de
ofício, 50% da multa isolada.

A decisão recente da 1a Turma da Câmara Superior beneficia uma empresa do setor
de energia. O relator, conselheiro Luis Henrique Marotti Toselli, representante do
contribuinte, destaca, em seu voto, que “não se pode perder de vista que as
estimativas são meras antecipações do tributo devido, não figurando, portanto,
como tributos autônomos”.

De acordo com ele, não se nega que o não recolhimento das estimativas e o não
recolhimento dos tributos efetivamente devidos são infrações distintas, como foi
reconhecido pela Lei no 11.488/2007. “Todavia, e este é o ponto central para a
discussão, quando ambas as obrigações não foram cumpridas pelo contribuinte, o
princípio da absorção ou consunção impõe que a infração pelo inadimplemento do
tributo devido prevaleça, afinal o dever de antecipar o pagamento por meio de
estimativas configura etapa preparatória para o dever de recolher o tributo
efetivamente devido, este sim o bem jurídico tutelado pela norma.”

Assim, o conselheiro conclui que a alteração legislativa mencionada não possui
qualquer efeito sobre a aplicação da Súmula no 105 para fatos geradores posteriores
a 2007. “Admitir o contrário permitiria punir o contribuinte em duplicidade, em clara
afronta aos princípios da consunção, estrita legalidade e proporcionalidade”
(processo no no 10510.724763/2011-12).

Ele cita, em seu voto, julgamentos no mesmo sentido do STJ (REsp 1496354 e REsp
1567289) e da 1a Turma da Câmara Superior, de setembro de 2020, com aplicação
do voto de desempate favorável ao contribuinte (artigo 19-E da Lei n o 10.522/2002).
Ele foi acompanhado pela maioria dos conselheiros.

Daniel Lamarca, do BMA Advogados, que assessora a empresa de energia, explica
que colaborou para a decisão a reversão do entendimento do conselheiro
Guilherme Mendes, representante da Fazenda, que passou a votar a favor do
contribuinte. Assim, conselheiros entenderam que a Súmula 105 poderia ser
aplicada para casos posteriores a 2007. “O que prevaleceu na Câmara Superior é que
deve apenas prevalecer a multa pelo aditamento do tributo”, diz.

A decisão representa uma nova guinada no posicionamento da 1a Turma da Câmara
Superior. Em 2023, no julgamento de um caso de uma empresa do setor de
construção, ficou decidido, por maioria, que poderiam ser aplicadas as duas multas
concomitantemente.

Em seu voto, o conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado, representante da
Fazenda, afirma que “inexiste qualquer conflito legal para aplicação da multa de
ofício pela falta de recolhimento do tributo em conjunto com a multa isolada pela
falta de recolhimento de estimativas.”

De acordo com o conselheiro, a Lei no 11.488/2007 “prevê expressamente aplicação
da penalidade isolada no caso do descumprimento da obrigação de recolher o
tributo estimado mensalmente, mesmo se apurado prejuízo ao final do exercício.
Entendeu o legislador que tal infração (falta de recolhimento da estimativa) não deve
ser ignorada.”

Antes de 2023, contudo, havia entendimento consolidado na 1a Turma contra a
aplicação das duas multas. Além do impacto financeiro, essa oscilação, segundo
especialistas, traz insegurança para as empresas, que algumas vezes ganham a
discussão e outras não, mesmo tendo seus casos julgados no mesmo colegiado.

Caio Quintella, ex-conselheiro da Câmara Superior e sócio da Nader Quintella
Advogados, afirma que diversos fatores que explicam essa oscilação. Um deles, é
que o conselheiro Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, representante da Fazenda,
tem uma tese diferente sobre o tema e, por isso, vota algumas vezes a favor da
Fazenda e em outras vezes a favor do contribuinte.

Para o julgador, a base de cálculo final do IRPJ e CSLL em 31 de dezembro
representaria um limite. Nos casos em que esse limite foi respeitado nas estimativas
mensais, ele vota a favor dos contribuintes. Caso contrário, vota com a Fazenda.

Além disso, diz Quintella, houve a saída do conselheiro Gustavo Fonseca, que era
representante dos contribuintes, mas nessa discussão votava com a Fazenda e não
aplicava a Súmula no 105.

Ainda houve mudança na aplicação dos critérios de desempate no Carf, que
também podem influenciar no resultado final. Antes o empate era favorável ao
contribuinte. Agora, com a Lei no 14.689/2023, é a favor da Fazenda. Contudo, nesses
casos caem automaticamente a aplicação das multas.

Para Quintella, decisões divergentes fazem parte de um cenário natural e esperado
de uma Corte administrativa, “onde existe tanta rotatividade e discricionariedade da
presidência em relação aos membros da Câmara Superior”. Contudo, diz, “o saldo
ainda é positivo, pois os julgamentos são muito tecnicos”.

Fonte: Valor Econômico

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