A 1a Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a validade da penhora
sobre o faturamento de empresa sem a necessidade do prévio esgotamento das
diligências para a busca de outros bens. A decisão, em recursos repetitivos,
favorece a Fazenda Pública, que entende que, de outra maneira, haveria o risco
tanto de atrasar a penhora quanto de dilapidação do patrimônio do devedor.
No mesmo julgamento, os ministros entenderam não ser possível equiparar
penhora de faturamento a dinheiro — o primeiro item na ordem de preferência das
cobranças fiscais. A posição da 1a Seção foi unânime.
Na sessão, o relator, ministro Herman Benjamin, apenas leu as teses definidas no
julgamento repetitivo. Afirmou que a necessidade de esgotamento das diligências
como requisito para penhora do faturamento foi afastada após a reforma do Código
de Processo Civil (CPC) de 1973 pela Lei no 11.382, de 2006.
Ainda segundo o ministro, no regime do Código de Processo Civil em vigor, de 2015,
a penhora de faturamento, listada em décimo lugar na ordem preferencial de bens
passíveis de constrição judicial, poderá ser deferida após a demonstração da
inexistência dos bens classificados em posição superior ou, alternativamente, se
houver constatação pelo juiz de que os bens são de difícil alienação.
No voto, o relator fixou que a constrição judicial sobre o faturamento empresarial
pode ocorrer sem observar a ordem de classificação estabelecida em lei, se o juiz
assim entender, perante as circunstâncias do caso concreto, conforme o Código de
Processo Civil de 2015. Herman Benjamin ainda estabeleceu na tese que a penhora
de faturamento não pode ser equiparada à constrição em dinheiro.
Para o relator, na aplicação do princípio da menor onerosidade, a autoridade judicial
deve impor percentual que não inviabilize o prosseguimento das atividades
empresariais e deve considerar os elementos probatórios concretos trazidos pelo
devedor e não aplicação abstrata ou com base em alegações genéricas (REsp
1666542, REsp 1835864 e REsp1835865).
A decisão vale para execuções fiscais, sem alcance direto para outros tipos de
cobranças, segundo afirmou o procurador da Fazenda do Estado de São Paulo que
atuou no caso, Leonardo Cocchieri Leite Chaves. Os casos, acrescentou, tratavam da
penhora de faturamento de empresas devedoras de tributos.
“Para nós a grande discussão era equiparar a penhora de faturamento a dinheiro”,
disse. A penhora de faturamento, de acordo com ele, é mais minuciosa e morosa
judicialmente porque a empresa precisa apresentar balanços mostrando que
repassa o percentual fixado, precisa de um administrador, enquanto a penhora de
dinheiro ou créditos é mais fácil e eficaz. “Se houvesse essa equiparação obstaria o
instrumento mais célere, que é a penhora de dinheiro ou constrição de crédito.”
Ainda segundo o procurador, pela decisão do STJ, não há óbice à penhora de
faturamento — exigência de diligência prévia como regra —, deixando para o juiz do
caso analisar a medida constritiva mais adequada.
De acordo com Isabella Tralli, coordenadora do contencioso tributário do VBD
Advogados, a decisão da 1a Seção certamente irá impactar negativamente a
atividade empresarial do executado, na medida em que a penhora do faturamento,
uma vez aceita pelo juiz, implica redução do fluxo de caixa necessário para financiar
e honrar compromissos, comprar matérias-primas, pagar fornecedores, salários e
encargos com pessoal, entre outros.
“Se pela decisão do STJ não há ordem de preferência na efetivação da penhora, cabe
ao executado demonstrar que o exequente pode promover a execução por outros
meios, em respeito ao princípio da menor onerosidade”, afirma a advogada.
A advogada Maria Andréia dos Santos, sócia do escritório Machado Associados,
destaca uma particularidade relevante nesse julgamento. Aponta que a penhora de
faturamento foi entendida como possível mesmo em casos onde o credor não
diligenciou a localização de outros bens, “o que pode ser muito danoso para os
contribuintes”. “A penhora de faturamento, por mais que o percentual possa parecer
razoável, pode consumir toda a margem de uma operação”, diz.
Para a advogada, o tema é muito sensível e o afastamento da necessidade de que
haja o esgotamento de diligências para a localização de outros bens poderá
estimular o uso desse mecanismo pelas Fazendas Públicas, criando riscos para o
fluxo de caixa das empresas e, em alguns casos, comprometendo até mesmo a
solução de continuidade do negócio, se essa forma de penhora de percentual do
faturamento se propagar em vários processos ao mesmo tempo.
“Haverá a necessidade de que esse tema seja tratado com cautela pelas instâncias
ordinárias, para se evitar que o mecanismo de garantia do credor inviabilize a
continuidade da empresa”, afirma a advogada.
Fonte: Valor Econômico