O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) vem conseguindo reduzir o estoque de processos, encerrando casos de maior valor e alcançando volumes recordes de julgamentos: em abril, foram cerca de R$ 110 bilhões em processos analisados, a melhor marca desde dezembro de 2019. O órgão recursal é principal aposta do Ministério da Fazenda para elevar a arrecadação e atingir a meta de déficit zero este ano.
O número de abril ainda será consolidado oficialmente, mas foi antecipado ao Valor
pelo presidente do Carf, Carlos Higino. Em março, o tribunal administrativo já havia
alcançado um volume recorde de julgamentos. A queda no estoque foi de R$ 70
bilhões, a maior desde a pandemia.
O estoque, porém, ainda soma cerca de R$ 1 trilhão, distribuídos em
aproximadamente 80 mil processos tributários. De acordo com Higino, esse valor
continua alto porque, enquanto há processos saindo do Carf, outros estão entrando
a partir de recursos contra condenações proferidas pelas Delegacias Regionais de
Julgamento (DRJs).
A meta de julgamentos para 2024 segue em R$ 870 bilhões, para gerar uma
arrecadação de R$ 55,6 bilhões, montante mantido no relatório de receitas e
despesas do governo apresentado na última semana – além dos casos em que sai
vitorioso, o contribuinte, quando perde, ainda pode recorrer ao Poder Judiciário. O
Carf não faz o controle de quantos encerram a disputa na esfera administrativa ou
dão sequência ao litígio.
No segundo semestre, a ideia é acelerar os julgamentos. O Conselho pretende lançar
um sistema de inteligência artificial para ajudar os conselheiros a elaborarem as
minutas dos votos. O sistema vai se chamar “Iara” e está sendo desenvolvido em
parceria com o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). “Quando
estiver rodando, teremos como aumentar a produtividade dos conselheiros”, disse
Higino.
Além disso, o presidente espera uma mudança no fluxo de julgamentos com a
aprovação de súmulas. Desde a edição da Lei no 14.689, de 2023, as súmulas do Carf
passaram a ser de observância obrigatória pelos auditores fiscais, o que significa que
as Delegacias Regionais de Julgamento também precisam seguir os entendimentos
do Conselho – antes não eram obrigados, então podiam julgar de forma diferente, o
que dava margem para recursos ao Carf apenas para aplicação da jurisprudência.
“Precisamos ter uniformidade e que as decisões do Conselho consigam ser
observadas desde o lançamento na Receita Federal”, afirmou Higino.
Vários fatores contribuíram para as quedas recordes do estoque, de acordo com o
presidente. Os principais são: julgamentos de casos de alto valor, o que não foi
possível durante a pandemia de covid-19, o retorno do voto de qualidade (o
desempate pelo voto duplo do presidente da turma julgadora, representante da
Fazenda) e a regulamentação do bônus dos auditores – até o pagamento ser
regulamentado, sessões foram paralisadas por falta de quórum. Ainda foram criadas
novas turmas de julgamento e o número de conselheiros aumentou.
Higino destacou ainda que “algumas decisões do Carf incentivaram transações e
acordos no âmbito da PGFN [Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional]”. Ele citou
como exemplo o recém-aberto edital sobre contratos de afretamento, uma
discussão bilionária que o setor de óleo e gás vem perdendo no Carf.
Em 2023, ainda ocorriam pedidos para retirada de pauta de grandes processos, o
que tem se normalizado, segundo o presidente. “Em 2024 e talvez 2025, devemos ter
uma redução muito forte do valor [do estoque]. O montante de R$ 1 trilhão é
inaceitável”, disse. Além do valor do estoque, o presidente também projeta uma
redução no número de processos na sequência, nos próximos dois anos.
“Estamos caminhando para ver o Carf dobrar o recorde de valores julgados em um
único ano, que atualmente é de R$ 430 bilhões”, afirmou Jorge Mussa, do Pinheiro
Neto Advogados.
Em 2015, lembrou o tributarista, o Tribunal de Contas da União (TCU) estimou que
seriam necessários 77 anos para julgar todo o acervo de processos no Conselho e,
desde então, foram implementadas diversas mudanças, como os lotes de repetitivos
e o aumento do número de turmas julgadoras com o mesmo número total de
conselheiros.
No ritmo atual, acrescentou, o Carf levaria apenas 10 anos para julgar todos os
processos. “Mas poderá diminuir pela metade o valor em estoque ainda neste ano,
se consolidando como um exemplo de sucesso em gestão processual.”
A advogada Ana Paula Lui, sócia do Mattos Filho, destacou que o Carf ainda vem
fazendo alguns ajustes para aumentar o volume de julgamentos, como a criação de
novas turmas – mesmo que para isso desfalque, ainda que temporariamente,
turmas existentes. Para a advogada, o mês de maio foi de ajuste de turmas e até
distribuição de processos. “Isso pode ter dado uma truncada no andamento que
vinha bem e corrido, com muitos julgamentos”, afirmou.
A tributarista espera que o ritmo continue acelerado no segundo semestre. “Até pelo
volume de processos pautados, vemos que eles estão levando a sério aumentar o
número de julgamentos e zerar o estoque”, disse. O Carf tem, inclusive, acrescentou,
realizado algumas sessões de julgamento durante as segundas e sextas-feiras – as
sessões eram sempre de terça a quinta.
A advogada afirmou que ainda não é possível observar se o Carf está mais ou menos
favorável aos posicionamentos da Receita Federal. Mas disse ter percebido
mudanças em decorrência da retomada do voto de qualidade. “Está bem parecido
com o que o Conselho já era, inclusive com a volta de alguns antigos conselheiros.”
Fonte: Valor Econômico