STJ afasta IR sobre transferência de cotas de fundo de investimento em herança

Caso julgado pela 1a Turma envolve patrimônio de R$ 7,5 bi, que pertencia ao fundador da Amil.

A 1a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a incidência de Imposto de
Renda Retido na Fonte (IRRF) na transferência, por herança, de cotas de fundo de
investimento fechado – conhecido como fundo dos “super-ricos”. O caso julgado
envolve um patrimônio de R$ 7,5 bilhões, que pertencia ao médico e empresário
Edson de Godoy Bueno, fundador da Amil, e ficou para seus filhos, Pedro de Godoy
Bueno e Camilla de Godoy Bueno Grossi. Ele morreu em fevereiro de 2017.

Por unanimidade, os ministros reformaram um acórdão do Tribunal Regional
Federal da 3a Região (TRF-3), com sede em São Paulo, para dar razão aos
contribuintes. Segundo advogados, é a primeira decisão de turma no STJ sobre o
tema.

Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o Imposto de Renda seria
devido sobre a diferença entre o valor de mercado do patrimônio transferido e o que
constou na última declaração do IRPF do empresário. Na visão do órgão, a
transferência das cotas representaria um ganho de capital, portanto, sujeito à
tributação.

Não teve ganho de capital, então não há fato gerador de
Imposto de Renda”

— Rodrigo Martone

Já os contribuintes argumentam que não há lucro porque receberam os bens pelo
valor declarado pelo pai. Eles ressaltam que o recolhimento do tributo não deveria
ser feito no momento em que se tornam titulares, mas quando houver a venda das
cotas do fundo de investimento.

A decisão da Corte vai de encontro a um entendimento recente da Receita Federal,
na Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) no 21/2024, que
vincula todos os fiscais do país. Nela, a fiscalização diz que é cabível a apuração de
ganho de capital pelas mesmas regras aplicáveis à alienação de bens. A decisão do
STJ, no entanto, prevalece, segundo especialistas.

Para o relator do caso, o ministro Gurgel de Faria, o artigo 23 da Lei no 9.532, de
1997, dá duas opções aos contribuintes, permitindo a sucessão e doação pelo valor
de mercado ou pelo valor da declaração de bens do doador ou falecido. “A
transferência por sucessão é legalmente autorizada. Não cabe à Secretaria da
Receita Federal inovar para determinar tributação pelo Imposto de Renda por
situação diversa da prevista em lei quando inexiste ganho de capital”, afirmou ele, na
sessão.

No entendimento dele e dos outros ministros da 1a Turma, o imposto não incide na
transferência de titularidade, mas apenas quando houver resgate ou efetiva
alienação das cotas ou se a transferência for realizada pelo valor de mercado e
houver uma diferença positiva em relação ao valor de aquisição. “Não se pode

presumir o resgate pela transferência legítima de cotas aos herdeiros quando, na
verdade, há uma mera atualização cadastral das cotas perante a instituição
financeira administrativa.”

Na sessão, o advogado dos herdeiros, André Torres dos Santos, do Pinheiro Neto
Advogados, reforçou que não há intenção de eles serem isentos de IR. “O que se
discute aqui no processo é apenas o momento da tributação, se na transferência de
titularidade ou se no momento do efetivo resgate, como prevê a legislação”, disse
ele, na sustentação oral.

Para ele, fundos de investimento fechados possuem regras específicas, que não
permitem o resgate de cotas antes do fim do prazo de duração previsto e que não é
possível a tributação sobre os resultados parciais. “Não há disponibilidade jurídica
sobre os resultados parciais enquanto não houver alienação”, completou.

Já o procurador Euclides Sigoli Júnior, da Fazenda Nacional, sustentou que a
transmissão feita no caso é uma espécie de alienação, que “compreende qualquer
forma de transmissão da propriedade”, para fins de IRRF, conforme o artigo 65 da Lei
no 8.981/1995. “Não há subsídio para postergação da incidência do tributo, quando
ele pode ser custeado pelo patrimônio herdado”, disse o procurador (REsp no
1968695).

Sigoli Júnior afirmou que não é possível dar uma interpretação para se eternizar o
não pagamento do tributo. “Favoreceria os super-ricos, aqueles que têm condições
de utilizar manobras de proteção do patrimônio em prejuízo à toda a sociedade e
em agravamento à regressividade da carga tributária brasileira”, adicionou o
representante da União, dizendo que os herdeiros estão entre as pessoas mais ricas
do mundo.

Ao Valor, o tributarista Rodrigo Martone, sócio do Pinheiro Neto Advogados, disse
que a decisão do TRF-3 já havia sido suspensa por uma liminar da própria
presidência da Corte. “O TRF-3 se baseou em premissas equivocadas, porque não
teve ganho de capital, então não tem fato gerador de Imposto de Renda”.

Segundo ele, o acórdão do tribunal regional é filho único e como a jurisprudência é
pacífica em favor dos contribuintes, poucos são os casos que sobem ao STJ. No caso

julgado, foi ajuizada uma liminar para que a administradora do fundo não fizesse a
retenção do tributo.

Na visão de Eduardo Suessmann, sócio do SBP Law, a decisão do STJ respeita a
legislação tributária. “Se você faz a transferência pelo valor da declaração, você não
tem Imposto de Renda a pagar, porque não há, naquele momento, nenhum
acréscimo patrimonial”, afirmou.

Para Fernando da Silva Chaves, sócio do escritório Papp, Taranto & Chaves
Advogados, não há como equiparar um evento como a morte a uma modalidade de
liquidação para disparar a tributação do IRRF. Além de ir contra a lei, obriga “os
herdeiros a pagarem imposto de renda sem ter a disponibilidade efetiva sobre os
rendimentos gerados pelas cotas que lhes foram transferidas por herança pelo custo
de aquisição”.

Fonte: Valor Econômico

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