As compensações tributárias apresentaram aumento expressivo no primeiro ano
do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e reduziram a arrecadação da
União no ano passado em R$ 242 bilhões, o equivalente a 2,2% do Produto
Interno Bruto (PIB). O número é recorde e representa uma alta superior a 130% em
comparação a 2019, início de uma escalada verificada pela Receita Federal, segundo
dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo Valor.
Desde maio de 2003, começo da série histórica, o governo federal deixou de
arrecadar R$ 1,6 trilhão com compensações, um dos alvos do Ministério da Fazenda
para atingir as metas fiscais.
Mais de um terço do volume de 2023 se refere a créditos de decisões judiciais.
Foram R$ 82,7 bilhões compensados, o terceiro maior montante desde o início da
contagem. Em 2018, eles representavam pouco mais de 5% do total de
compensações. Desde 2019, são mais de 20% desse volume — o pico foi em 2021,
quando os créditos judiciais chegaram a ser quase metade do total compensado
com a Receita. Porém, nos últimos dois anos, tiveram leve queda, entre 5% e 10%. As
informações foram antecipadas ontem pelo Valor PRO, serviço de informações em
tempo real do Valor.
O alto volume das compensações tributárias de ações judiciais foi a principal causa
para o governo editar a Medida Provisória 1.202/2023, que limitou o direito à
compensação para créditos fiscais oriundos de decisões judiciais a partir de R$ 10
milhões. Outra planilha da Receita indica que, só nos últimos cinco anos, os créditos
acima de R$ 10 milhões frustraram a arrecadação em R$ 320,5 bilhões.
Segundo a Fazenda, só as compensações da “tese do século”, a exclusão do ICMS
da base de cálculo do PIS e da Cofins, custaram mais de R$ 60 bilhões à União no
ano passado. Essa foi uma das principais causas, segundo a equipe econômica, para
o déficit de R$ 230 bilhões registrado em 2023.
Para este ano, o ministro Fernando Haddad tem a missão de elevar as receitas para
atingir a meta de resultado primário zero nas contas públicas. O limite das
compensações, de acordo com a Receita, pode gerar um ganho de R$ 20 bilhões no
fluxo a mais em 2024 e auxiliar o governo nesse objetivo.
O limite, porém, ainda não está produzindo resultados. Dados divulgados ontem
mostram que, em janeiro deste ano, mesmo com os efeitos da MP, atingiram R$ 27
bilhões. A Receita avalia, no entanto, que esse impacto será sentido positivamente
na arrecadação ao longo do ano.
Ainda que não tenha produzido efeitos em janeiro, a Instituição Fiscal Independente
(IFI) projeta que o limite às compensações pode gerar um ganho de arrecadação
para o governo de R$ 26,2 bilhões em 2024, R$ 40,1 bilhões em 2025, R$ 55,6 bilhões
em 2026 e R$ 72,6 bilhões em 2027, em valores nominais.
As compensações servem para os contribuintes abaterem dos débitos os créditos
que têm com a Receita Federal. Eles compensam os impostos pagos a mais ou valores obtidos por meio de decisões judiciais com outros tributos federais que
precisam quitar.
Os dados do Fisco ainda indicam que, em 2023, o número total das compensações
foi 11% superior a 2022, quando esse tipo de perda de receita atingiu R$ 215 bilhões.
A rubrica “outros créditos” foi a recordista em 2023, somando R$ 73,5 bilhões.
Muito possivelmente, indicam os advogados, é nessa categoria que se enquadram
os créditos da exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins. A Fazenda diz que não é
possível saber qual tributo se refere ao crédito, nem à tese judicial, porque isso não é
armazenado “de forma estruturada nos sistemas de informação”.
Na comparação com a última década, houve uma disparada anual das
compensações: desde 2013, o volume mais do que quadruplicou, tendo em vista
que, dez anos atrás, as compensações somaram R$ 54 bilhões.
O crescimento expressivo começou a partir de 2019, por conta da “tese do século” e
atingiu o pico em 2021, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou os
embargos de declaração no caso e estabeleceu que o ICMS deveria vir destacado na
nota fiscal. Teses filhotes também contribuíram para o aumento das compensações,
em menor proporção.
Análise
Até esse segundo julgamento do Supremo, muitos processos ficaram parados à
espera da posição dos ministros, o que explica o pico “tardio”, uma vez que o mérito
da causa foi julgado em 2017, afirma o tributarista Leandro Augusto, sócio do
escritório do AleixoMaia.
Augusto indica, contudo, que, após o pico, o volume dos créditos judiciais, objeto da
restrição da MP 1.202, caiu nos últimos dois anos. “Há uma tendência de queda,
principalmente quando comparado com a arrecadação”, diz. Para ele, isso mostra
como o argumento para sustentar a MP é frágil. “Houve aumento das
compensações por conta das administrativas e não das judiciais, tanto em números
absolutos quanto relativos”, acrescenta.
Breno Vasconcelos e Maria Raphaela, sócios do Mannrich e Vasconcelos Advogados,
indicam que quando somados todos os temas de PIS/Cofins, os créditos decorrentes de pagamentos dessas contribuições representam, em toda a série histórica, 19,38%
do total de compensações gerais e 29% das compensações judiciais.
“Esse dados, somados a análises anteriores, confirmam o diagnóstico dos
formuladores da proposta de reforma da tributação sobre o consumo, de que essas
contribuições são muito complexas, sujeitando contribuintes a dezenas de regimes
especiais e com disputas envolvendo inclusive o aproveitamento de créditos na
sistemática não cumulativa [tema, inclusive, que representava o maior contencioso
sobre PIS/Cofins das companhias abertas em 2021]”, afirmam.
O advogado Fabio Calcini, do escritório Brasil, Salomão e Matthes Advogados, chama
a atenção de que a maioria das compensações em 2023 é de tributos pagos a mais
pelos contribuintes. Após a rubrica “outros créditos”, as de maior valor são de
ressarcimento de Cofins e IPI, saldo negativo de Imposto de Renda da Pessoa
Jurídica (IRPJ) e outros pagamentos indevidos.
Somadas, essas categorias representaram R$ 128,5 bilhões no ano passado, o que
corresponde a 53% do total compensado pelos contribuintes na Receita. “O sistema
é falho em vários aspectos e acaba cobrando do contribuinte para depois autorizar a
devolução como compensação. Não é abuso ou fraude do contribuinte, é direito
dele receber o que pagou indevidamente”, afirma Calcini, também professor da
Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Fonte: Valor Econômico