Heineken consegue anular no Carf autuação fiscal milionária por amortização de ágio

Valor, que reduziu IRPJ e CSLL, seria fruto da compra do Grupo Schincariol pela Kirin Holdings.

A Heineken conseguiu anular um auto de infração de aproximadamente R$ 900
milhões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A decisão reconheceu
o direito ao uso de ágio para redução de valores de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL.
A autuação é referente à compra do Grupo Schincariol pela Kirin Holdings (hoje
Heineken, que herdou a disputa).

Por maioria (sete votos a um), os conselheiros da 1a Seção da 3a Câmara da 2a Turma
Ordinária aceitaram o recurso da empresa. A questão ainda poderá ser analisada
pela Câmara Superior do Carf.

O ágio consiste em um valor pago, em geral, pela rentabilidade futura de uma
empresa adquirida ou incorporada. Por lei, pode ser registrado como despesa no
balanço e amortizado, reduzindo a base de cálculo do IRPJ e CSLL a pagar. Contudo,
a Receita Federal autua o contribuinte quando interpreta que uma operação entre
empresas foi realizada apenas para reduzir tributos.

No caso, a fiscalização atuou a Kirin por entender que não poderiam ser deduzidas
do cálculo dos tributos as despesas do ágio resultante na aquisição do Grupo
Schincariol (empresas Aleadri Participações e Jandagil Participações) pela Kirin
Holdings (antiga Kusuga).

Para a Receita Federal, faltou propósito negocial na operação. Isso porque a Kirin
Holdings não teria sido a real adquirente do Grupo Schincariol. Seria uma “empresa
veículo”, utilizada apenas para o aproveitamento do ágio na incorporação.

Segundo a fiscalização, quem de fato comprou o Grupo Schincariol foi a Kirin Japão e
não a Kirin Holdings (antiga Kusuga). Assim, não teria havido a confusão patrimonial
apta a autorizar a amortização do ágio.

Ao analisar o caso, o relator conselheiro Heldo Jorge dos Santos Pereira Junior,
entendeu, porém, que a Kirin Holdings “teve papel real e lícito nas aquisições”. Para
ele, o argumento da fiscalização “encampa de forma subjacente a ideia de
impossibilidade de constituição de ágio em qualquer hipótese, exceto naquela em
que uma determinada empresa possuísse, por meios exclusivamente próprios, os
recursos para aquisição de participações societárias”.

No caso das holdings, segundo o conselheiro, “jamais haveria possibilidade de
contabilização de ágio, posto que os recursos seriam sempre originados de terceiros
(sócios ou outros)”. O argumento da fiscalização, acrescentou, é “estranho à
legislação de regência, que nada prescreve sobre tal requisito.”

Para Júnior, quando um investidor estrangeiro ou nacional consolida recursos ou
mesmo investimentos em uma sociedade holding e a partir daí promove a aquisição
de outros investimentos, “não se pode, a priori, afirmar serem estes investimentos
(consolidados na holding) pertencentes ao sócio investidor estrangeiro ou nacional.”

Em seu voto, o relator afirmou ainda não ter encontrado nos autos do processo
elementos para sustentar que a Kirin Holdings teve papel fictício, “a ponto de servir
apenas como uma ‘empresa veículo’” (processo no 16561.720029/2019-12).

De acordo com a advogada que assessora a Heineken no processo, Luciana
Rosanova Galhardo, do Pinheiro Neto Advogados, foi uma excelente decisão. Para
ela, as empresas estão vivendo um período difícil no Carf, em relação a julgamentos
de processos que tratam de ágio.

O relator, diz a advogada, desmistificou a alegação da Receita Federal de que a Kirin
Holding seria uma empresa veículo e a operação sem propósito negocial. Tanto que, acrescenta, houve uma ação judicial para discutir essa venda. Uma parte da família queria fazer o negócio e outra parte não.

“Ficou demonstrado que não houve simulação e que a holding realmente comprou a
Schincariol”, afirma Luciana. Como a Heineken comprou a Kirin, em fevereiro de
2017, a empresa acabou herdando a discussão.

Ainda cabe recurso para a Câmara Superior. Contudo, a advogada afirma que a
decisão está bem fundamentada para subir para análise pela última instância do
Carf. “Essa decisão dá um ar de esperança porque hoje temos mais de 500
operações de ágio questionadas pelo Fisco”, diz.

Segundo o advogado Diego Miguita, do escritório VBSO Advogados, a decisão
mostra que a maioria esmagadora da turma ordinária (7 a 1) entende que houve
propósito negocial. Contudo, afirma ele, a decisão do Carf chama mais a atenção por
seguir a linha do primeiro julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre ágio.

Em setembro, a 1a Turma do STJ afastou cobrança de IRPJ e CSLL ao analisar a
incorporação da Cremerpar pela Cremer, ocorrida no ano de 2004 (REsp 2026473).
“Apesar dos contextos distintos, no fim do dia, o que vale é a discussão jurídica de
que não havendo simulação ou fraude, não teria como se opor aos efeitos
tributários normais”, diz.

Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ressalta que o tema do
não reconhecimento de despesas (glosa) para a amortização de ágio demanda
análise caso a caso. Isso porque, afirma o órgão, existem peculiaridades nas
operações societárias que geram a formação do ágio, além de discussões jurídicas
específicas.

“Por essa razão, só após a análise cuidadosa do acórdão 1302-006.968 é que a PGFN
poderá concluir sobre a viabilidade de interposição de recurso especial para a
Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf”, diz a procuradoria.

Fonte: Valor Econômico

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