A quantidade de empresas que optaram por contratar um mediador profissional para tentar resolver conflitos por meio de acordo quintuplicou na última década. Essa prática tem sido utilizada antes da instauração de processos judiciais e arbitrais e também durante as disputas.
Na lista de adeptos estão, por exemplo, a família Odebrecht e as empresas CSN, SulAmérica e IRB Brasil, além de uma série de companhias em recuperação judicial.
A evolução do uso da mediação como tratamento para conflitos empresariais é retratada em uma pesquisa elaborada pelas advogadas Vera Barros e Daniela Gabbay. O estudo, chamado de “Mediação em Números”, é inédito no mercado.
Apresenta um recorte do que aconteceu nas sete principais câmaras de arbitragem e mediação do país entre 2012 e o primeiro semestre de 2022.
No ano de 2012, para se ter ideia, o volume envolvido nos casos tratados por meio de mediação não chegava a R$ 240 milhões. Eram 21 ao todo, registrados somente em dois locais: ICC e Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC).
Já em 2020, ano de início da pandemia do coronavírus, a soma de valores ultrapassou a marca de R$ 1 bilhão e a mediação foi praticada em seis câmaras.
No ano seguinte, 2021, todas as sete câmaras que constam na pesquisa registraram casos. Foram 120, em um total de R$ 950 milhões. E para 2022 a expectativa era de crescimento. No primeiro semestre, o volume foi de R$ 650 milhões.
“É importante dizer que estamos tratando aqui de uma amostra. A quantidade de mediação em todo o país é muito maior. A maioria dos casos, eu diria que 90%, acontece fora das câmaras e acaba sendo mais difícil de mapear”, diz Vera Barros.
Os principais conflitos que chegaram às câmaras trataram de contratos empresariais, questões societárias e relacionadas aos setores de construção civil e energia. Mais recentemente começaram a se destacar também casos envolvendo empresas em crise.
A pesquisa mostra, em dados gerais – levando em consideração todas as sete câmaras participantes – que o percentual de acordo variou entre 30% e 52% no período analisado. Teve mediação que durou um único dia. Já o caso mais longo levou 387 dias para ser finalizado.
No caso da família Odebrecht foram necessários cerca de seis meses. Emilio Odebrecht, líder da empresa – hoje chamada Novonor – e o seu filho Marcelo Odebrecht, ex-presidente da companhia, estavam em conflito desde a Operação Lava Jato.
Em 2020, as relações azedaram de vez. Marcelo e a Novonor trocaram acusações de chantagem e extorsão em processos judiciais e também na arbitragem.
Mas cerca de dois anos depois do começo desse embate, resolveram dar uma trégua. Aceitaram a sugestão de seus advogados, contrataram um mediador profissional e conseguiram chegar a um acordo: Marcelo deixou de ser acionista e não exercerá mais qualquer cargo no grupo.
A Novonor publicou um comunicado ao mercado em julho de 2022. Ontem, em nota ao Valor, reforçou que alcançaram o consenso “por meio de concessões recírpocas” e que a composição “encerrou todos os litígios entre a companhia e o ex-executivo”.
Um dos achados da pesquisa é justamente o fato de a mediação, além de servir como etapa pré-processual, estar sendo cada vez mais utilizada durante os processos judiciais e arbitrais – depois de a briga já estar instalada nos tribunais.
As autoras citam o que vem sendo chamado de “janela de mediação”. “Logo que surgiu a Lei de Mediação e a mudança no Código de Processo Civil a ideia era mediar antes de brigar. Era a regra geral. Só que o momento inicial, às vezes, não é o melhor momento. Porque as partes já estão brigando, existe um histórico, um escalonamento daquela relação”, afirma Daniela Gabbay.
Passado um tempo, acrescenta, depois de as partes colocarem as suas alegações e os seus pedidos e apresentarem as provas, pode ser que surja um momento mais propício à conversa.
“Tendo mais informações, a parte consegue avaliar melhor o seu risco, a chance de êxito, a qualidade das provas, suas e do outro lado, e as alternativas. A mediação pode ser uma opção melhor do que esperar por uma sentença”, complementa.
A pesquisa traça os momentos da arbitragem em que as empresas mais têm usado a mediação. Depois da fase postulatória, quando apresentam os seus pedidos e fundamentações; durante a fase instrutória, em que já houve apresentação de provas e oitiva de testemunhas; e após as sentenças parciais.
Diego Faleck, um dos nomes mais conhecidos na área de mediação, diz que mais de 50% dos casos em que atua têm litígio instaurado – na Justiça ou na arbitragem. Ele já fez mais de 150 mediações empresariais, além de desenvolver e supervisionar programas de mediação envolvendo empresas no centro de grandes catástrofes.
O primeiro caso em que atuou tinha como partes a TAM (hoje Latam) e familiares das vítimas do acidente que aconteceu no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no ano de 2007. A mediação foi utilizada para fechar os acordos de indenização. Não havia no Brasil, naquela época, um caso conhecido de mediação de responsabilidade civil.
A experiência se repetiu, pouco tempo depois, com os familiares das vítimas do voo da Air France, que iria do Rio de Janeiro para Paris, em 2009. Em 2011, Faleck abriu escritório e, desde lá, dedica-se exclusivamente à mediação empresarial.
“No começo nós tínhamos muita dificuldade de convencer alguém a fazer a mediação. O conceito não era muito conhecido, não era muito utilizado. Era algo bem excepcional”, recorda.
Houve um “levante” de lá para cá. A mediação começou a ser tratada como uma das soluções para desafogar a Justiça, que acumula mais de cem milhões de processos.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução no 125, em 2010, incluindo a mediação como política judiciária nacional. Anos depois, em 2015, veio a Lei de Mediação (no 13.140), um marco legal, estabelecendo as diretrizes para o uso desse instituto.
“Com o tempo e com a experiência de bons casos, de empresas grandes que utilizaram, grandes problemas que foram resolvidos, as pessoas começaram a reconhecer a eficácia da mediação”, avalia Faleck. “O volume de casos aumentou muito.”
Um dos primeiros desses grandes casos, que ajudou a “girar a chave” do mercado, teve como partes a CSN, a SulAmérica, o IRB e resseguradores internacionais. O conflito era sobre a cobertura do seguro contratado pela CSN.
A companhia teve problemas em alguns equipamentos no terminal do Porto de Sepetiba, no Rio de Janeiro, e esses problemas geraram prejuízos milionários. Ela acionou o seguro, mas as empresas responderam que a apólice não cobria aquela operação específica. Daí a briga.
Em 2013, depois de dois anos de disputa judicial, optaram pela mediação e conseguiram fechar um acordo. Ficou acertado o pagamento de US$ 178 milhões.
Diego Faleck atuou como mediador nesse caso.