A 1a Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a cobrança da taxa
THC2 nos portos é ilegal. Trata-se da primeira decisão da Corte que avalia o mérito da cobrança, que está no centro de uma disputa de mais de 20 anos entre os
terminais portuários, que ficam à beira-mar, e os retroportuários, conhecidos como
“portos secos”.
A sigla THC2 refere-se ao termo em inglês Terminal Handling Charge 2, algo como
cobrança para manuseio no terminal. Mais recentemente também passou a ser
chamado de Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres (SEE), que nada mais é
do que o transporte e entrega de um contêiner para alguém que está fora do
terminal portuário.
A cobrança é vista como irregular pelo Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (Cade), pois prejudica os portos secos. Isso aconteceria porque o importador que quiser fazer a alfândega em um porto seco precisa pagar uma taxa
de movimentação a mais do que aquele que deixar a mercadoria no terminal à
beira-mar, daí o número 2 de THC2.
Enquanto o Cade se posicionou contra a THC2, a Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (Antaq) entende que ela pode ser cobrada. O caso chegou ao Tribunal
de Contas da União (TCU), que também viu ilegalidade e proibiu a cobrança, que
está suspensa desde o ano de 2022.
Para o ex-conselheiro e ex-procurador-geral do Cade, Gilvandro Araújo, o
posicionamento do STJ pode ser decisivo para encerrar, de vez, a disputa. De acordo
com ele, quem tiver interesse em judicializar a cobrança terá, a partir de agora, uma
referência clara do tribunal superior.
“A decisão é muito relevante para enfatizar que a relação entre empresas, em
mercados regulados, não pode prescindir da avaliação concorrencial”, afirma Araújo,
sócio do Carneiros Advogados.
Na 1a Turma do STJ, a vitória dos portos secos foi por maioria de votos. Prevaleceu
o entendimento da ministra Regina Helena Costa. Para ela, a cobrança é ilegal por
não estar amparada em lei e ser considerada uma infração concorrencial. Ela foi
seguida pela maioria dos ministros (REsp 1899040 e REsp 1906785).
Após a suspensão da taxa pelo TCU, antes da declaração de ilegalidade pelo tribunal
superior, nasceu no mercado a expectativa de que a cobrança pudesse voltar,
segundo Leonardo Roesler, advogado tributarista e sócio da RMS Advocacia e
Consultoria. “Com a declaração da ilegalidade não se discute mais se ela está
suspensa, não se pode mais cobrar sob pena de contrariar decisão da Justiça”,
afirma o especialista.
Segundo Roesler, os operadores que usavam a THC2 passaram a ter que ajustar
seus contratos, buscando outras formas de receita. Para os alfandegários
independentes não vinculados aos operadores, diz, o fim da cobrança representa
uma oportunidade porque, ao eliminar a THC2, podem atrair um volume maior de
carga para armazenagem. “Para as importadoras, a decisão traz redução direta nos
custos operacionais ao se poder usar os alfandegários independentes.”
Segundo Pedro Moreira, sócio do CM Advogados e representante da operadora
portuária Embraport (hoje DP World Brasil) no processo, cabe discussão da decisão
do STJ, seja mediante embargos ou recurso extraordinário ao Supremo Tribunal
Federal (STF). “Vamos analisar o acórdão, mas, com certeza, essa batalha não
termina aqui”, diz.
O advogado destaca que na decisão do TCU que suspendeu a taxa há um recurso
pendente da Antaq. Além disso, de acordo com Moreira, paralelamente, o TCU abriu
um procedimento de auditoria operacional que teria concluído que a THC2 é
cobrada por um serviço efetivamente prestado pelo operador portuário. “Só existe a
cobrança se o importador contratar o serviço, que faz com que a carga seja entregue
de forma mais célere”, afirma.
O advogado aponta também que a decisão do STJ é equivocada sobre o efeito
concorrencial da THC2. Isso porque a maioria dos ministros teria seguido uma antiga
posição da Procuradoria do Cade. “Em 2021, foi feita uma tentativa de pacificação do
tema, com participação do Cade, e no memorando de entendimento publicado
consta que a cobrança da THC2 por si só não viola a defesa da concorrência. Deve
ser, portanto, analisado cada caso concreto para verificar se há esse efeito
concorrencial”, diz.
O advogado Bruno Burini, representante da Marimex, porto seco que é parte no
processo, afirma, porém, que nos últimos 19 anos, o Cade, em 12 oportunidades,
considerou a THC2 ilegal. “A decisão do STJ é histórica porque, pela primeira vez em
24 anos de discussões, confirmou a ilegalidade da cobrança por diversas
perspectivas. Reconheceu que não há lei ou contrato que obrigue o pagamento do
preço, bem como ratificou o posicionamento histórico do Cade e confirmou a
natureza anticompetitiva da cobrança.
Fonte: Valor Econômico